Quando me
deparo com livro novo na bancada de qualquer livraria, depois de examinar a
capa, título, nome do autor, leio a primeira página. Se gosto do estilo, da
forma – independentemente do conteúdo –, geralmente compro.
Com o novo livro do Mia Couto foi
diferente. Bastaram-me as duas primeiras sentenças:
“Já muita coisa foi vista neste mundo. Mas nunca se
encontrou nada mais triste que caixão pequenino.”
A imagem que construí a partir
dessas poucas palavras foi devastadora – a tristeza de que somos tomados à
vista de um caixãozinho branco. Se uma criança morreu, é provável que um pai e
uma mãe estejam sofrendo a pior dor que se pode sentir neste mundo, a dor da
perda de um filho.
Antes de prosseguir nesta crônica,
devo confessar que o Mia Couto do início de carreira nunca foi dos meus
prediletos. Fã ardoroso de Guimarães Rosa (outro dia aprendi com um amigo que
“fanático” deriva de “fã”), pressentia na linguagem do moçambicano uma
imitaçãozinha Roseana, o que me parecia sacrilégio imperdoável.
Penso que ele vem abrandando a forma
com o passar do tempo, livrando-se da influência poderosa de Guimarães Rosa,
porém conservando o gosto pela invenção das palavras, o que de forma alguma é
pecado. Tantos outros o fazem em nossa língua, dentre eles o mestre Manoel de
Barros.
No novo livro em questão, no segundo
parágrafo do primeiro conto, O não desaparecimento de Maria Sombrinha, do livro
Contos do nascer da Terra (Companhia das Letras, 2014), lê-se um Mia Couto
suave, com o tal abrandamento de linguagem:
“Deu-se o caso numa família pobre, tão pobre que nem
tinha doenças. Dessa em que se morre mesmo saudável. Não sendo pois espantável
que esta narração acabe em luto. Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha
mania de morrerem muito. Um dos mistérios dos lares famintos é falecerem tantos
parentes e a família aumentar cada vez mais.”
O livro compõe-se de 35 contos
breves, muitos deles publicados originalmente em jornais e revistas, quase
todos revistos e modificados pelo autor. Agora que tenho dedicado algumas horas
semanais à chamada arte culinária, não posso deixar de fazer referência ao
conto intitulado A viagem da cozinheira lacrimosa, que temperava a comida
delicadissimamente com o sal das lágrimas. “É comida temperada a tristeza”,
dizia ela.
Vale a pena conferir os Contos do
nascer da Terra. (Em tempo, a capa de Claudia Espínola de Carvalho é lindíssima!)
Dá uma vontade doida de ler! PSV
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