terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Woody Allen: vida e obra


              “Devo deixar de assistir Woody Allen?”
            Quem traz a questão para a reflexão do leitor é Michael Keep, jornalista americano radicado no Brasil, em artigo publicado na Folha de hoje.(1) A filha adotiva de Allen, vítima de suposto abuso quando tinha 7 anos de idade, bem como outras personalidades nos Estados Unidos, acham que sim, que não devemos mais assistir filmes do genial diretor.
            Assim sendo:
1- estamos todos proibidos de admirar qualquer pintura de Caravaggio;
2- ouvir Wagner, nunca mais;
3- depois de O Evangelho segundo Jesus Cristo, os católicos ficam terminantemente proibidos de ler Saramago;
4- considerar a filosofia de Martin Heidegger, nem pensar;
5- porque Drummond supostamente teve uma amante durante anos, sua poesia agora é lixo;
6- depois do que Monteiro Lobato escreveu sobre Anita Malfatti, o Sítio do Picapau Amarelo deve sair do ar;
7- Nietzsche, porque afirmou que Deus está morto, merece todo o nosso esquecimento;
8- a lista é interminável e nela poderiam estar contidas todas as gerações de seres humanos, desde sua origem até o futuro mais remoto, exatamente porque somos todos humanos.
            Michael Keep se pergunta, “Se esquadrinhássemos a moralidade de todos os artistas, que arte restaria para apreciarmos?”
            Porém, o pendor do ser humano para o julgamento é inesgotável, reforçado permanentemente pelo fundamentalismo religioso. É o preto no branco, o certo ou errado. Considerar as circunstâncias dá muito trabalho, exige o pensar.
            De minha parte, aguardo o próximo filme de Woody Allen com a expectativa de sempre!


Um comentário:

  1. O jornalista judeu Michael Kepp diz que não deixará de assistir aos filmes do também judeu Woody Allen por acreditar não ser impossível separar vida e obra, embora considere menor a arte que julga moralmente condenável, em particular aquela que vê Hitler com outros olhos. Devo discordar de Kepp por não achar possível tal separação, uma vez que o artista impregna sua arte com aquilo que ele é como pessoa; e o que a pessoa é independe de onde ela esteja e do que ela faça. Assim, se considerarmos que não há o menor traço de antissemitismo na obra de Wagner é porque ele não era antissemita, embora ele dissesse que fosse. Por outro lado, admitindo que ele era de fato antissemita, então há traços desse ódio em sua obra, por mais tênues e dissimulados que sejam. Quero dizer que um dos elementos da Arte chama-se honestidade: não há Arte numa obra desonesta, onde seu criador deixou de ser ele mesmo para ser outro. Se o citado filme nazista é honesto, então é Arte; não existe essa história de arte "menor" e arte "maior". Cabe a nós, admiradores irremediavelmente influenciados por preceitos morais, decidir apreciar ou não esta ou aquela obra de arte, se ouviremos a musica do antissemita Wagner, se veremos uma autêntica arte nazista, se assistiremos a um filme do pedófilo Woody Allen, se continuaremos lendo o xenófobo Dostoiévski ou deliciando-se com as pinturas do canalha Picasso. Nessa escolha, por mais que nos esforcemos, não vamos conseguir nos livrar completamente de nossos preconceitos; alguns deles sempre ficarão. No caso do Keep, seu limite é o nazismo e não os abusos cometidos por seu patrício.

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