terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

E o jogo terminou empatado


A crônica de Janio de Freitas na Folha de hoje traz o sugestivo título de Brasil embrutecido. (1)  Escreve o articulista:

“Estamos, no Brasil, em um agravamento da brutalidade que não cabe mais nos largos limites do classificável como violência urbana. E não basta dizer que nada é feito contra tal processo. O que se passa, de fato, é que nem sequer o notamos. Convive-se com o agravamento como uma contingência incômoda, em seus momentos mais gritantes, mas natural, meras desordens da desigualdade social.”
           
O acontecimento da vez é o brutal assassinato de um torcedor em um ponto de ônibus, por supostos torcedores rivais. Difícil acreditar que o motivo real possa ser um jogo de futebol que, diga-se de passagem, terminou empatado, ou seja, sem vencedores ou perdedores. Nem mesmo a tão falada desigualdade social pode ser responsabilizada, sugere Freitas:

O agravamento da brutalidade no Brasil é um processo em si mesmo. E não está só nos territórios da pobreza. A própria incapacidade de percebê-lo é um sintoma do embrutecimento sem distinções sociais, econômicas e culturais. Outros sintomas poderiam ser notados – na deseducação, no rebaixamento individual e coletivo dos costumes, em muito do que os meios de comunicação tomam como modernidade, na política. Até onde a elevação do trato entre suas excelências parecia inexaurível – no Supremo. 
...À espera do ônibus ou dentro do carro, branco, negro, pobre, rico: o Brasil se embrutece. E o Brasil nem sequer se nota.”

            Para que se consumasse o Holocausto foi necessário um articulado embrutecimento das tropas alemãs, para que pudessem fazer o que fizeram sem enlouquecer. Primo Levi descreve com maestria tal situação em seu magnífico livro É isso um homem? Trata-se de um processo de desumanização, e assim fica mais fácil liquidar o inimigo não-humano.
            Ao que se saiba, ainda não estamos em guerra. Mas, o que é pior, estamos tratando como inimigo o sujeito que simplesmente torce por outro time de futebol. O que não é crível. Só faltou o fundo musical – a Nona de Beethoven – durante o espancamento.
            Embrutecimento tem a ver com deseducação. Se o espírito não se aprimora, o bruto animal fala mais alto. Em linguagem popular, o bicho pega... Porém, as “providências” tomadas pelo governo falam em repressão às torcidas organizadas, aumento do policiamento dentro e fora dos estádios, endurecimento das leis, ou seja, tratam apenas das consequências. O que há de levar a mais embrutecimento.
            Educar é preciso, em todos os sentidos. Este o verdadeiro remédio contra o embrutecimento.



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