segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Vinhos, amizades, fungos e bactérias


Quem aprecia e bebe vinho regularmente sabe que não há, de um mesmo vinho, duas garrafas iguais. O mesmo produtor, região, solo, clima, uva, safra, tudo igual, mas há diferença de sabor e aroma entre as garrafas! E isso torna-se um atrativo a mais para o consumidor, a tal imprevisibilidade.
– Este vinho está ótimo!
– Acho que a garrafa que tomamos mês passado estava melhor.
– Será?
– Para o meu gosto, sim.
– Temos mais uma, vamos conferir semana que vem.
Visto está que vinho não foi feito para se beber solitariamente, ou um diálogo como este seria impossível. Uma boa degustação exige pelo menos duas pessoas, em paz, e muita conversa.
Há uma outra variável ainda não citada, e que parece ser mais confiável que as demais (uva, safra, produtor, etc) no que diz respeito à qualidade do vinho, que é o preço. Dificilmente compramos um vinho bom por uma pechincha. Vinho muito barato é igual a laranja madura na beira da estrada...
Voltemos à imprevisibilidade. Há quem não goste dela, quem prefira estar permanentemente no controle, sem correr riscos de espécie alguma; para estes, uma sugestão: bebam coca-cola. Mais ou menos gelo, com ou sem limão, coca-cola é sempre coca-cola...
Vinho não! Minha mulher está na cozinha sexta-feira à noite iniciando o preparo de um saborosíssimo arroz-de-pato. Resolve abrir com a devida antecedência um Barolo, que ganhamos de um amigo semana passada. O vinho é de boa estirpe, safra 2007, considerada boa pelos entendidos. Abre a garrafa e deixa o vinho respirar. O pato já vai adiantado na panela, o perfume da cebola refogada inunda a casa, os temperos todos preparados sobre a tábua de cortar.
– Vamos experimentar o vinho.
Depois do brinde e do primeiro gole, o silêncio.
– Está ruim.
– Está, passado.
– Vamos abrir aquele Brunello, que não há de falhar.
E não falhou, o maravilhoso Brunello; tampouco o arroz-de-pato. E a conversa prosseguiu animada.
– Você vai contar ao Rodrigo que o vinho estava ruim?
– Não.
– Por que?
– Contei uma vez e não deu certo: ele me chamou de besta.
– Ah!
– Será culpa das bactérias?
– Como assim?
– Você não está sabendo da última?!
– Que última?
– Além de tudo que já conhecemos sobre a variabilidade dos vinhos, solo, clima, cepa de uva, modo de preparo, safra e tudo o mais, agora descobriram que as bactérias que habitam a casca das uvas interferem no gosto e aroma do vinho.
– Puta que pariu!
– Verdade!
– Então Montalcino agora vai deixar de exportar o Brunello para exportar as bactérias?
– É possível.
– Por isso que coca-cola faz tanto sucesso: não tem erro...
O jantar chega ao final, e depois do café e de um Tokay 6 putônios (graças à ação do Botrytis), fazemos um último brinde  aos fungos e bactérias deste planeta! 

Um comentário:

  1. Muito boa! O difícil é arranjar companhia para um requinte assim. Mais um pouco e os grandes provadores vão comentar: "Este vinho está com aroma de Escherichia coli". Ou: "Este tinto faz lembrar aquela Pseudomonas que provamos em Paris." Ou ainda: "Os anaeróbios deste vinho estão exagerados." Melhor ficar na pinga de Salinas...

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