terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Palavras cruzadas


As palavras cruzadas completam 100 anos no próximo 21 de dezembro. O primeiro jogo de palavras cruzadas foi publicado no The New York World em 21 de dezembro de 1913, e seu inventor foi Arthur Wynne.

 Segundo Will Shortz, editor do New York Times, o
 sucesso foi enorme entre os leitores, porém, como não foi registrada a patente, Wynne nunca auferiu qualquer benefício com seu invento. (1)
            No jornal O Estado de São Paulo, a seção de palavras cruzadas estreou em 2 de abril de 1950, e é publicada até hoje no Caderno 2.
            Ao final dos anos 50 e início dos 60, meu pai era assinante e leitor assíduo deste jornal, diariamente entregue em nossa casa, no interior de São Paulo. O objeto era tratado como algo sagrado! Ai de quem ousasse tocá-lo – folhear o jornal então, nem pensar –, incluindo os filhos e até nossa mãe, antes que o pai o lesse.
            A leitura constituía-se de verdadeiro ritual. Realizava-se sobre a mesa da sala, onde o jornal era cuidadosamente aberto página a página, as folhas mantidas bem arrumadas em seus respectivos cadernos, de modo que, ao final da leitura, a impressão que tínhamos era a de que o jornal ainda não havia sido folheado. Aí sim, só então podíamos abri-lo, quase sempre em busca das tirinhas ou do Suplemento Infantil.
            Até me interessei pelas palavras cruzadas. Para a minha idade e vocabulário, eram dificílimas! Mas não desisti, sempre com a ajuda do pai, que de certa forma me incentivava. Tornou-se motivo de piada na família quando certa vez lhe perguntei, Pai, o que é fluxo e refluxo das águas do mar? A graça estava no fato de que pronunciei as palavras fluxo e refluxo com som de ch, como em “luxo”. O pai soltou gostosa gargalhada, corrigiu minha pronúncia e respondeu, Maré. Lembro-me muito bem de que não me senti nem um pouco ofendido com as risadas; era mesmo engraçada a minha ignorância infantil, eu podia perceber isso, além do que acabara de aprender mais uma palavra, com a ajuda do pai.
            Um pouco mais crescidinho, resolvi eu mesmo construir um jogo de palavras cruzadas e enviá-lo ao jornal. Tomei como modelo um quadriculado semelhante ao que era publicado e passei dias e dias, talvez semanas, na árdua tarefa de cruzar as palavras em um quebra-cabeças. Depois de pronto, remeti-o ao Estadão, pelos Correios, naturalmente.
            Desde então, tinha a consciência de que jamais veria minha obra publicada, e isso não me incomodava. Bastava o feito em si, do qual muito me orgulhava: eu havia enviado minhas palavras cruzadas para o jornal!
            Poucos anos depois nos mudamos para o Rio de Janeiro, e meu pai deixou de ler o Estadão. Após 10 anos, ao voltar a passeio a Guaratinguetá, encontrei-me com um ex-colega de ginásio que veio logo me dizendo, André, sabe que vi no Estadão uma palavra cruzada com seu nome como autor?! Era você mesmo?, perguntou incrédulo.
Era eu.

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