quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ficção ou realidade?


“A Polícia Civil da Barra do Piraí, no Sul Fluminense, recebeu nesta segunda-feira um documento que reforça o conjunto de provas contra a manicure Suzana de Oliveira, de 22 anos, apontada como a assassina do menino João Felipe Eiras Bichara, de 6 anos. A mãe da acusada, Simone de Oliveira, de 39 anos, entregou ao delegado José Mário Salomão um caderno usado como diário pela filha. Nele, há detalhes do plano de sequestrar João Felipe.” (1)

Diante da notícia, instantaneamente ocorreu-me a lembrança do que podemos chamar de miniconto, escrito por Franz Kafka e registrado em seu diário, em 6 de dezembro de 1922:

“Duas crianças, sozinhas no apartamento, entraram numa grande mala, a tampa fechou-se, não a conseguiram abrir e morreram asfixiadas.”

         Se Kafka fosse um assíduo frequentador do Twitter, ou tivesse um Blog, talvez pudesse escrever:

Fazendo-se passar pela mãe da criança, tirou o menino da escola, levou-o para um quarto de hotel e o matou. Em casa, guardou o corpo numa mala.

         Ficção e realidade se confundem, e deste fato é que sobrevive a Literatura. Penso que minha dificuldade para lidar com a realidade, diante da notícia acima, remeteu-me à ficção kafkiana.
         Ao perceber minha “fuga”, procurei voltar à realidade e encarar os fatos, como se costuma dizer. E então pude enumerar determinados elementos da trama, numa tentativa de analisá-los racionalmente:

      1.   Suzana, acusada de assassinato, tem apenas 22 anos.
      2.   Ela é uma mulher, e matou uma criança.
      3.   O menino tinha apenas 6 anos de idade.
      4.   Ela é manicure.
      5.   Suzana registrou num diário o plano do crime.
      6.   Sua mãe encontrou o diário e o entregou à polícia.

         Mulheres em geral não matam crianças. Com apenas 22 anos de idade, Suzana talvez ainda não tivesse acumulado tantas e tamanhas frustrações ao longo da vida para ter que lidar com tamanho ódio. E despejar todo esse ódio num menino de 6 anos de idade? Uma manicure trabalha segurando a mão das pessoas. Além disso, Suzana gosta de escrever, ela tem um diário (como Kafka!), que a ajuda a organizar os pensamentos (ou os não-pensamentos, apenas atuações desprovidas de pensamentos, como os que a levaram ao crime). Ela convive com a mãe. A mãe, tendo encontrado o diário de Suzana, provavelmente viveu um grande dilema, mas resolveu entregá-lo à polícia.

         Kafka, adepto do Twitter, teria escrito:

A mãe, tendo encontrado a prova definitiva que haveria de incriminar a própria filha, acusada de assassinato, resolveu entregá-la à polícia.

         Percebo que ainda tenho dificuldade em permanecer na realidade e volto a Kafka! A “grande mala” é a vida. A “tampa que se fecha” é o sentido da vida.
  

Um comentário:

  1. Apurado texto, que exprime com propriedade o espanto da vida, a loucura dos homens, o inusitado das mentes. Inspiradissimo!

    ResponderExcluir