Confesso que
não me considero um leitor de Rubem Alves, e muito menos admirador dos escritos
dele. Mas devo admitir que aprecio de modo muito especial a analogia que ele
faz entre o casamento tênis e o casamento frescobol.(*) Ressalta o autor: “Os
casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam
mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de
ter vida longa.”
No jogo de tênis, ganha quem derruba
a bolinha na quadra alheia; cada um procura jogar a bola onde o outro não está;
o jogador negaceia, engana, ilude, desorienta, induz a erro, falsifica, mente,
utiliza-se de subterfúgios nem sempre lícitos; cada um procura o ponto fraco do
outro, e quando encontra, derruba-o; o objetivo é apenas um, o de vencer o
adversário; e se há um vencedor, por consequência haverá um perdedor. São dois
adversários, afinal!
No jogo de frescobol, também jogado com dois jogadores,
duas raquetes e uma bola, os dois ganham quando a bola não cai, e ambos perdem
quando a bola cai. E para que ela não caia, a bola deve ser jogada sempre onde
o outro está; o erro de um, quando ocorre, é logo corrigido pelo acerto do
outro; a bola difícil é tornada fácil, a bola que está para cair é “salva” por
alguém que se esforça para tal; enfim, para que o jogo prossiga, sem vencedores
ou perdedores, pois não há adversários. Apenas a alegria de jogar!
Depois de me utilizar umas tantas vezes da metáfora tênis versus
frescobol em minhas sessões, passei a acrescentar duas questões que me parecem
fundamentais quando se trata de casamento, e que devem ser formuladas antes
mesmo de iniciado o jogo. A primeira pergunta é se ambos desejam mesmo jogar. A
segunda, que jogo desejam jogar?
Pode parecer óbvio perguntar àqueles que exprimem o desejo
de viverem juntos, porque se amam, se desejam mesmo jogar o jogo da
convivência. Suas consciências dirão que sim, porque se amam. O que dizer das
razões do inconsciente, tão difíceis de serem explicitadas? Posso pensar num
grande número de motivos para se viver com alguém, sem levar em conta a
importância do que estou chamando de o jogo da convivência. Talvez o mais
frequente deles, e muito humano, seja o medo infantil de estar só: “Casei-me
para não ficar só.”
Respondida afirmativamente a primeira questão, cabe aos
dois indivíduos decidirem que jogo desejam jogar. Mais uma vez, não me parece
nada óbvio, em termos inconscientes, que saibam de antemão (quer dizer, que
tenham consciência) que jogo desejam jogar: tênis ou frescobol? Porque não me
parece nada estranho, ao contrário, temos incontáveis exemplos ao nosso redor,
que duas pessoas queiram jogar tênis ao longo de toda uma vida de casal. E
assim o fazem, apenas dando vasão à crueldade, competição, ciúme, inveja, ódio,
enfim, estes sentimentos tão humanos, utilizando-se daqueles predicados
enumerados acima, praticados no jogo de tênis: jogar a bolinha sempre onde o
outro não está. Estamos a falar de gente, apenas isso. Porém, seria
interessante que ambos tivessem a consciência disso, de que desejam jogar
tênis, seja lá qual for o preço que tenham que pagar, ou as consequências que
tenham que experimentar.
Uma terapia psicanalítica pode ajudar a desvendar impulsos
e desejos inconscientes, tornando mais clara a questão se estão mesmo dispostos
a jogar/conviver, e que jogo desejam jogar/viver. Também pode ajudar àqueles
que estão jogando tênis e que desejam mudar para o frescobol, para poderem realizar
a simples, mas nada fácil, alegria da convivência.
Eis ai o Rubem Alves melhorado!
ResponderExcluirE os textos dele contêm outras metáforas boas...
Difícil mesmo, no casamento como em todo relacionamento, e abrir mão do impulso de dominar.
Ótima crônica!