terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O difícil jogo da convivência


Confesso que não me considero um leitor de Rubem Alves, e muito menos admirador dos escritos dele. Mas devo admitir que aprecio de modo muito especial a analogia que ele faz entre o casamento tênis e o casamento frescobol.(*)  Ressalta o autor: “Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.”
            No jogo de tênis, ganha quem derruba a bolinha na quadra alheia; cada um procura jogar a bola onde o outro não está; o jogador negaceia, engana, ilude, desorienta, induz a erro, falsifica, mente, utiliza-se de subterfúgios nem sempre lícitos; cada um procura o ponto fraco do outro, e quando encontra, derruba-o; o objetivo é apenas um, o de vencer o adversário; e se há um vencedor, por consequência haverá um perdedor. São dois adversários, afinal!
No jogo de frescobol, também jogado com dois jogadores, duas raquetes e uma bola, os dois ganham quando a bola não cai, e ambos perdem quando a bola cai. E para que ela não caia, a bola deve ser jogada sempre onde o outro está; o erro de um, quando ocorre, é logo corrigido pelo acerto do outro; a bola difícil é tornada fácil, a bola que está para cair é “salva” por alguém que se esforça para tal; enfim, para que o jogo prossiga, sem vencedores ou perdedores, pois não há adversários. Apenas a alegria de jogar!
Depois de me utilizar umas tantas vezes da metáfora tênis versus frescobol em minhas sessões, passei a acrescentar duas questões que me parecem fundamentais quando se trata de casamento, e que devem ser formuladas antes mesmo de iniciado o jogo. A primeira pergunta é se ambos desejam mesmo jogar. A segunda, que jogo desejam jogar?
Pode parecer óbvio perguntar àqueles que exprimem o desejo de viverem juntos, porque se amam, se desejam mesmo jogar o jogo da convivência. Suas consciências dirão que sim, porque se amam. O que dizer das razões do inconsciente, tão difíceis de serem explicitadas? Posso pensar num grande número de motivos para se viver com alguém, sem levar em conta a importância do que estou chamando de o jogo da convivência. Talvez o mais frequente deles, e muito humano, seja o medo infantil de estar só: “Casei-me para não ficar só.”
Respondida afirmativamente a primeira questão, cabe aos dois indivíduos decidirem que jogo desejam jogar. Mais uma vez, não me parece nada óbvio, em termos inconscientes, que saibam de antemão (quer dizer, que tenham consciência) que jogo desejam jogar: tênis ou frescobol? Porque não me parece nada estranho, ao contrário, temos incontáveis exemplos ao nosso redor, que duas pessoas queiram jogar tênis ao longo de toda uma vida de casal. E assim o fazem, apenas dando vasão à crueldade, competição, ciúme, inveja, ódio, enfim, estes sentimentos tão humanos, utilizando-se daqueles predicados enumerados acima, praticados no jogo de tênis: jogar a bolinha sempre onde o outro não está. Estamos a falar de gente, apenas isso. Porém, seria interessante que ambos tivessem a consciência disso, de que desejam jogar tênis, seja lá qual for o preço que tenham que pagar, ou as consequências que tenham que experimentar.
Uma terapia psicanalítica pode ajudar a desvendar impulsos e desejos inconscientes, tornando mais clara a questão se estão mesmo dispostos a jogar/conviver, e que jogo desejam jogar/viver. Também pode ajudar àqueles que estão jogando tênis e que desejam mudar para o frescobol, para poderem realizar a simples, mas nada fácil, alegria da convivência.
           

Um comentário:

  1. Eis ai o Rubem Alves melhorado!
    E os textos dele contêm outras metáforas boas...
    Difícil mesmo, no casamento como em todo relacionamento, e abrir mão do impulso de dominar.
    Ótima crônica!

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