(Roteiro para discussão em
grupo
com estudantes de Medicina)
Meu interesse pelo denominado paciente terminal foi despertado, de forma
intensa e definitiva, por conferência proferida pela psiquiatra Elizabeth
Kübler-Ross (1926-2004), em congresso do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, ao
final dos anos 70. Desde então tenho coordenado seminários com estudantes de
Medicina e médicos residentes, realizado conferências e publicado sobre o
assunto. Ao longo desses 40 anos, pude observar marcada mudança de atitude
(para melhor) dos estudantes e médicos em geral, especialmente no que diz
respeito a “contar a verdade” ao paciente, sobre a natureza de sua doença. O
que antes parecia uma crueldade, algo desumano, passou a ser considerado uma
obrigação ética por parte do médico, a de prestar as informações solicitadas pelo
paciente, de forma sensível e cuidadosa. Não vamos nos deter, pois, nesse
aspecto, que vem evoluindo de maneira satisfatória na maioria das vezes.
No entanto, há um ponto em que, invariavelmente, os estudantes não
concordam com a abordagem que proponho durante os seminários. Daí a ideia deste
pequeno ensaio, e que possa ser lido e considerado, antes da discussão em
grupo.
Questão frequentemente colocada pelo paciente é a do prognóstico: -“Doutor,
quanto tempo tenho de vida?” Muitas
vezes, é assim que ele se manifesta, de
maneira direta e contundente, podendo surpreender o próprio médico. Já que a
proposta atual, quase um consenso, é de que o médico permaneça fiel à verdade,
a tendência dos estudantes é a de responder a questão utilizando-se da média de
sobrevida, estabelecida pela literatura médica pertinente a cada patologia.
Embora também faça a opção pela verdade, tenho ponto de vista diferente neste
particular.
Minha resposta à pergunta “quanto tempo tenho de vida?”, invariavelmente
é: NÃO SEI. Em primeiro lugar, porque não sei mesmo. Se pensamos que sabemos,
se arriscamos um palpite, fruto de nossa onipotência e onisciência infantis,
acumularemos equívocos, o que será de toda forma danoso ao paciente que confiou
em nós.
Em segundo lugar, pelo que exporei em seguida. Tomemos como ilustração
um gráfico de dispersão, onde cada ocorrência individual é representada por um
ponto, ocorrências estas dispostas, na ordenada, segundo o tempo de sobrevida
de cada paciente, medido em anos. O traço horizontal no interior do gráfico indica
o valor médio destas ocorrências.
Sobrevida 10 – | . A
em anos 9 – | . .
.
8 – | . .
. . .
7 – | .
. . . ..
.
6 – | .
. . .
.
5 – | M . . . . ____ Média
4 – | . . . .
. . . . .
3 – | . .
. . ..
2 – |
. . . . .
1 – | . B
|_______________________________
Pacientes
Se o paciente que me pergunta “quanto tempo tenho de vida?” coincidir
com o ponto A do gráfico, deverei responder que ele terá 10 anos de sobrevida.
Se coincidir com o ponto B, direi que ele tem 1 ano de vida. Se a coincidência
estiver no ponto M, portanto próximo à média, então direi que ele terá 5 anos
de vida. Definitivamente, quando determinado paciente me faz esta pergunta, não
posso saber em que ponto situá-lo no gráfico, e não há como sabê-lo. A única
resposta possível, portanto, é NÃO SEI.
Tanto a disposição das ocorrências individuais em um gráfico, como o
cálculo da média, acompanhada do respectivo desvio padrão, constam da
metodologia da ciência estatística, baseada na ótica dos grandes números.
Quando o médico está diante de seu paciente, está diante de uma singularidade.
E não é possível aplicar tratamento estatístico à unidade.
Ocorre que, se oferecemos ao paciente um determinado número, em dias,
meses ou anos, mesmo que ele seja informado que se trata de média, tal número
pode passar a ser encarado como um prazo, uma data limite, verdadeira sentença
a ser cumprida após exaurir-se aquele período. Desde que recebe tal notícia,
ele passa a “contar o tempo”, até a data pré-fixada, o que certamente há de
interferir com sua qualidade de vida. Esta perspectiva por parte do paciente
prende-se muito mais a fatores emocionais, do que à razão. A ameaça de morte
provoca reações emocionais intensas e primitivas, e não podemos esperar que ele
possa pensar de forma racional, como o médico pensa ao falar em médias.
A alegação de que é importante para o paciente a ideia de quanto tempo
ele dispõe de vida, pois precisa tomar providências práticas relativas à sua
vida, nos parece bastante relevante. Devemos conversar então sobre a gravidade
da doença, apoiá-lo e estimulá-lo a tomar as medidas de ordem prática, e ao
mesmo tempo, falar das limitações da Medicina e do médico, de nosso não saber,
de nosso “poder” limitado ou, melhor dizendo, de um “não-poder”, com a
humildade genuína de quem está falando a verdade.
Sugestão de leitura adicional: Vianna, A, Piccelli, H. O estudante, o médico e o professor de medicina perante a morte e o paciente terminal.
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v44n1/2004.pdf
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