sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Prognóstico do paciente terminal


(Roteiro para discussão em grupo
com estudantes de Medicina)

Meu interesse pelo denominado paciente terminal foi despertado, de forma intensa e definitiva, por conferência proferida pela psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross (1926-2004), em congresso do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, ao final dos anos 70. Desde então tenho coordenado seminários com estudantes de Medicina e médicos residentes, realizado conferências e publicado sobre o assunto. Ao longo desses 40 anos, pude observar marcada mudança de atitude (para melhor) dos estudantes e médicos em geral, especialmente no que diz respeito a “contar a verdade” ao paciente, sobre a natureza de sua doença. O que antes parecia uma crueldade, algo desumano, passou a ser considerado uma obrigação ética por parte do médico, a de prestar as informações solicitadas pelo paciente, de forma sensível e cuidadosa. Não vamos nos deter, pois, nesse aspecto, que vem evoluindo de maneira satisfatória na maioria das vezes.
No entanto, há um ponto em que, invariavelmente, os estudantes não concordam com a abordagem que proponho durante os seminários. Daí a ideia deste pequeno ensaio, e que possa ser lido e considerado, antes da discussão em grupo.
Questão frequentemente colocada pelo paciente é a do prognóstico: -“Doutor, quanto tempo tenho de vida?”  Muitas vezes, é assim que  ele se manifesta, de maneira direta e contundente, podendo surpreender o próprio médico. Já que a proposta atual, quase um consenso, é de que o médico permaneça fiel à verdade, a tendência dos estudantes é a de responder a questão utilizando-se da média de sobrevida, estabelecida pela literatura médica pertinente a cada patologia. Embora também faça a opção pela verdade, tenho ponto de vista diferente neste particular.
Minha resposta à pergunta “quanto tempo tenho de vida?”, invariavelmente é: NÃO SEI. Em primeiro lugar, porque não sei mesmo. Se pensamos que sabemos, se arriscamos um palpite, fruto de nossa onipotência e onisciência infantis, acumularemos equívocos, o que será de toda forma danoso ao paciente que confiou em nós.
Em segundo lugar, pelo que exporei em seguida. Tomemos como ilustração um gráfico de dispersão, onde cada ocorrência individual é representada por um ponto, ocorrências estas dispostas, na ordenada, segundo o tempo de sobrevida de cada paciente, medido em anos. O traço horizontal no interior do gráfico indica o valor médio destas ocorrências.
                           

                                   Sobrevida  10 – |                                . A
                                     em anos    9 – |                   .        .     .
                                                      8 –  |                  .     .    .     .     .   
                                                      7 –  |                     .    .    .  . ..    .
                                                      6 –  |                      .  .    .   .     . 
                                                      5 –  |                M .   .   .    .    ____ Média
                                                      4 –  |                 .  .  .  .    .    .   . .  .
                                                      3 –  |                        .  .      .   .   ..
                                                      2 –  |                            .  .   .  . .
                                                      1 –  |                                  . B
                                                             |_______________________________                      
      Pacientes

Se o paciente que me pergunta “quanto tempo tenho de vida?” coincidir com o ponto A do gráfico, deverei responder que ele terá 10 anos de sobrevida. Se coincidir com o ponto B, direi que ele tem 1 ano de vida. Se a coincidência estiver no ponto M, portanto próximo à média, então direi que ele terá 5 anos de vida. Definitivamente, quando determinado paciente me faz esta pergunta, não posso saber em que ponto situá-lo no gráfico, e não há como sabê-lo. A única resposta possível, portanto, é NÃO SEI.
Tanto a disposição das ocorrências individuais em um gráfico, como o cálculo da média, acompanhada do respectivo desvio padrão, constam da metodologia da ciência estatística, baseada na ótica dos grandes números. Quando o médico está diante de seu paciente, está diante de uma singularidade. E não é possível aplicar tratamento estatístico à unidade.
Ocorre que, se oferecemos ao paciente um determinado número, em dias, meses ou anos, mesmo que ele seja informado que se trata de média, tal número pode passar a ser encarado como um prazo, uma data limite, verdadeira sentença a ser cumprida após exaurir-se aquele período. Desde que recebe tal notícia, ele passa a “contar o tempo”, até a data pré-fixada, o que certamente há de interferir com sua qualidade de vida. Esta perspectiva por parte do paciente prende-se muito mais a fatores emocionais, do que à razão. A ameaça de morte provoca reações emocionais intensas e primitivas, e não podemos esperar que ele possa pensar de forma racional, como o médico pensa ao falar em médias.
A alegação de que é importante para o paciente a ideia de quanto tempo ele dispõe de vida, pois precisa tomar providências práticas relativas à sua vida, nos parece bastante relevante. Devemos conversar então sobre a gravidade da doença, apoiá-lo e estimulá-lo a tomar as medidas de ordem prática, e ao mesmo tempo, falar das limitações da Medicina e do médico, de nosso não saber, de nosso “poder” limitado ou, melhor dizendo, de um “não-poder”, com a humildade genuína de quem está falando a verdade.

Sugestão de leitura adicional: Vianna, A, Piccelli, H. O estudante, o médico e o professor de medicina perante a morte e o paciente terminal.
http://www.scielo.br/pdf/ramb/v44n1/2004.pdf


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