às 6 da
tarde, invariavelmente
o rádio
tocava a Ave Maria de Schubert
o menino
ouvia da mãe
esta é uma
hora sagrada, meu filho
em que os
anjos veem à Terra
para nos
proteger do Mal
e o menino, crédulo,
contrito
escutava a belíssima
música
no Dia das
Mães, invariavelmente
o menino
ouvia da mãe
este é um
dia sagrado, meu filho
em que os
anjos veem à Terra
para
proteger as mães e seus filhos
para que as
famílias vivam em paz
e o menino
ouvia, crédulo, contido
as sábias palavras
da mãe
no Dia de Natal,
invariavelmente
o menino
ouvia da mãe
não há dia
mais sagrado, meu filho
Jesus veio à
Terra para nossa redenção
para perdoar
nossos pecados
à medida que
perdoamos nossos devedores
e o menino
ouvia, crédulo, a mãe
protetora a que
tudo sabia
o menino
cresceu, inevitavelmente
e descobriu
que o vespertino ângelus
variava
segundo o fuso horário
o dia das
mães não era o mesmo em cada país
muito menos
o Natal, inexistente para tantos
e à medida
que foi descobrindo o ledo engano
em que a mãe
vivia, não deixou de amá-la
nem tentou
dissuadi-la dos enganos
deixou de
ser menino, finalmente
trocou o
conforto das ilusões
pela crua
realidade do mundo
descobriu
que não ganhava com a troca
porém, fazer
o quê, se as fantasias
já não lhe
alimentavam a alma
e que o
sentido da vida era apenas
tão somente a
falta de sentido da vida
Muito boa, quantos aspectos neste escrito conciso: infância que tudo crê, conforto da segurança das palavras da mãe, a passagem para o adulto com a insegurança da vida e este final real.
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