quinta-feira, 29 de março de 2012

Um crime hediondo em Praga


Quando ligou o computador naquela manhã de segunda-feira, precisamente às 6h e 30min, como era seu costume, pronto para retomar com a disciplina de sempre a escrita do romance policial que acabara de atingir a incrível marca de 400 páginas, percebeu que os 53 arquivos referentes a cada capítulo do livro haviam desaparecido. Na pasta dedicada ao romance restava apenas um único arquivo, enorme, pesado, com mais de 600 KB, cujo nome pareceu-lhe uma boa sugestão para o título do novo livro: Um crime hediondo em Praga.
         Alarmou-se, mas à primeira vista o material estava salvo, apenas disposto em um único longo documento de 400 páginas, contendo todos os capítulos na perfeita ordem em que foram escritos, incluindo seus respectivos títulos.  A formatação do texto e a correção ortográfica estavam perfeitas.
         Ao ler de forma aleatória algumas páginas, Pedro Paulo de Alcântara e Soler, o autor, foi tomado de grande surpresa: percebeu estarrecido, horrorizado mesmo, que a trama original havia mudado completamente
: Marcelo desistiu de seu amor por Regina e apaixonou-se por Letícia, a cunhada 10 anos mais jovem;
: Fernanda finalmente se divorciou de Pedro e mudou-se para a casa de Roberto, o pintor realista que acabara de conhecer no último fim de semana;
: o adultério de Sofia foi descoberto e tornado público, para espanto e gozo da alta sociedade;
: André, até então personagem chave no desenrolar do romance,  investigador de polícia aplicadíssimo, porém desacreditado no próprio Departamento de Homicídios por sua reconhecida condição de homem sentimental demais, morreu subitamente em decorrência de infarto fulminante, não se sabe se por desgosto ou ódio, ou as duas coisas; ou teria sido suicídio?;
: Carmem, de vítima passou à suspeita numero 1, porém a motivação do crime hediondo ainda não estava clara, ao menos nessas primeiras 400 páginas;
: no último capítulo escrito até então surgiu novo e enigmático personagem, completamente desconhecido do autor, um renomado psicanalista de Praga, homem de meia idade e bastante atraente - um sedutor -, e que poderia muito bem vir a ser o criminoso, a depender de como a história se desenrolasse, naturalmente.
         Diante de tantas e tamanhas reviravoltas na trama original, todas elas ocorridas à revelia do autor, este decidiu publicar seu romance assim mesmo, improvável, imprevisto, inacabado, inspirado no mais ilustre escritor de Praga  - Kafka -,  por quem nutria verdadeira veneração.
         O romance de autoria de Pedro Paulo de Alcântara e Soler revelou-se um retumbante fiasco de público e crítica.

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