A foto do dia.
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
A pinça de Satinsky
Capítulo
X
(Romance
em construção,
vivido
em Londres nos anos 80)
(Caro leitor, tenha paciência com o rumo que esta
história está ganhando, imploro por sua paciência. Beatriz ainda não sabe, mas
vai viver uma experiência que poderíamos chamar de transcendental mágica
surrealista imponderável, e parece interessante que o leitor saiba disso antes
dela e que, portanto, esteja preparado para viver a experiência com ela.
Voltemos pois ao primeiro dia em que Beatriz foi apresentada à salinha 2x2,
– este é o seu laboratório, Beatriz,
assim
lhe foi comunicado, fato ocorrido logo depois que Westby decidiu de forma
autoritária e definitiva qual o projeto de pesquisa a ser por ela
desenvolvido.)
O minúsculo cômodo ficava bem no centro da Unidade
e um verdadeiro labirinto precisava ser percorrido para se chegar até lá, que ninguém
poderia percorrer sem ser notado e consequentemente barrado caso fosse um
estranho. Andrew, o encarregado de lhe apresentar o recinto, inglês simpático
que mancava de uma perna, explicou que ali eram realizados os experimentos com
animais, e se isso se tornasse de conhecimento público a Unidade poderia ser
explodida, sim, havia risco de atentado à bomba, que os defensores dos direitos
dos animais eram violentíssimos na Inglaterra, há pouco menos de dois meses o
carro de um professor que trabalhava com chimpanzés fora incendiado em frente
ao Mausley, famoso hospital psiquiátrico localizado bem perto dali.
Embora não fosse trabalhar com animais, Beatriz
sentiu-se ameaçada e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Não havia janelas na
salinha, visto está. A porta, de grossa madeira maciça, tinha no centro um pequeno
vidro circular, coberto por pequeno cartaz onde se lia DO NOT ENTRY, e
permanecia trancada com pesada fechadura de quatro voltas. As paredes eram
revestidas de azulejo branco muito limpo; havia uma pia de aço, pequena bancada
também de aço, um foco de luz, e um armário de madeira revestido de fórmica,
fixado horizontalmente na parede, a um metro e meio do chão; este era todo o
mobiliário daquele minilaboratório.
Ao abrir uma das portas do armário Beatriz
encontrou pequena bandeja de aço, contendo parco material cirúrgico
:
duas pequenas pinças hemostáticas,
:
dois pequenos afastadores,
:
um bisturi,
:
uma tesoura reta pequena,
:
e uma enorme pinça vascular, a pinça de Satinsky,
bem
conhecida da cirurgiã acostumada às grandes operações para o controle das
catastróficas hemorragias causadas pela ruptura das tais varizes de esôfago.
As pinças ditas vasculares têm uma característica
essencial: ao apreenderem os tecidos, particularmente artérias e veias de
grosso calibre, elas não causam dano, não traumatizam, elas ocluem os vasos,
interrompendo o fluxo de sangue e consequentemente a hemorragia, preservando a
integridade dos tecidos que são pinçados. O instrumento encontrado por Beatriz
na bandeja, em forma de meia lua, chamava a atenção especialmente pelo tamanho,
uma pinça de 25 ou 30 centímetros de comprimento, que nem mesmo cabia na
bandeja,
– esta pinça está com as pernas pra fora,
ela
brincou,
– o que faz um ferro desses em meio a instrumentos
tão mais delicados?,
o
pensamento passou como um raio pela cabeça de Beatriz, intrigou-a, e como ela
não pudesse aventar qualquer hipótese para explicá-lo, preferiu pensar que se
tratava de algo fortuito acidental alheio aleatório, uma casualidade enfim,
porém alguma coisa ao mesmo tempo desnatural, estranha, além de qualquer
possibilidade lógica.
Terminada a apresentação da sala de trabalho,
Beatriz dirigiu-se à biblioteca, como de costume, para estudar.
(Mas o leitor agora pode continuar pensando sobre a
ocorrência que acabo de descrever: o que a tal pinça de Satinsky fazia numa
precária bandeja de instrumental cirúrgico que mal dava para operar um rato? E
o que esta pinça poderia significar na vida e no futuro de Beatriz?)
A pinça de Satinsky
terça-feira, 20 de agosto de 2013
A dor da rejeição
"Parece
que enfiaram uma faca no meu peito".
Esta
expressão é bastante conhecida, e possivelmente já experimentada por algum
leitor; com certeza, por quem ora escreve. O mais interessante é que parece não
se tratar de simples figura de linguagem.
Em
seu livro "Emotional First Aid" (Primeiros Socorros Emocionais), recentemente
lançado nos Estados Unidos, o doutor em psicologia e especialista em terapia de
casais Guy Winch relata estudos com ressonância magnética que mostram que “a
dor da exclusão social ativa no cérebro as mesmas áreas acionadas pela dor
física” (reportagem de Rodolfo Lucena (1), da Folha de São Paulo).
Desde
o nascimento o ser humano tem necessidade de ser aceito, de aprovação, de
pertencer a uma família que o proteja do mundo exterior e o auxilie na formação
de uma mente própria. O sentimento de rejeição provoca provavelmente a ferida narcísica
mais comum e recorrente em nossas vidas.
Assim
sendo, o termo “ferida” parece igualmente apropriado, pois nos remete a algo
sofrido no próprio corpo, e que pode deixar cicatrizes.
Outro
trabalho citado por Rodolfo Lucena (sem a referência) aponta na mesma direção:
“Em
pesquisa feita nos EUA, 40 pessoas que tinham recentemente levado um chute do
parceiro foram submetidas a duas experiências: em uma, viram fotos de seus
"ex"; na outra, receberam estímulos térmicos semelhantes ao de café
quente derramado na mão. Nos dois casos, o cérebro deu respostas similares.”
Portanto,
aprender a lidar melhor com as frustrações – tarefa para uma vida inteira – é a
única maneira de ir reparando estas feridas, quando possível.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Twitter literário
“Antes cair das nuvens que
de um terceiro andar.”
A frase, que
caberia perfeitamente num twitter – tem apenas 47 toques – é de ninguém menos
que Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas. No belo artigo A
tradição do Twitter no Brasil, publicado no Eu & Fim de semana em
16/08/2013, o ótimo suplemento cultural do valor Econômico – talvez o melhor dentre
quantos haja –, Miguel Sanches Neto afirma, ao destacar a frase acima, que
Machado foi nosso primeiro tuiteiro. Para ser fiel a Machado, a máxima completa
é
“Não te
irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um
terceiro andar”,
do capítulo CXIX,
intitulado Parêntesis, do mesmo livro. E que também caberia num twitter, pois
tem menos de 100 toques.
Outros
possíveis cultores do Twitter literário citados por Sanches Neto (identificado modestamente
no jornal apenas como “ficcionista”, porém trata-se de professor universitário, poeta, ensaísta, cronista, romancista, contista, crítico literário) são Oswald de Andrade, Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Murilo Mendes, verdadeiros precursores
do Twitter nacional. Há um autor especial, pois chegou a usar em vida o
microblog de forma magistral, e seus seguidores o mantêm em atividade até hoje.
É Millôr Fernandes! O twitter que todos nós gostaríamos de compor é dele:
“Livre pensar é só pensar.”
Outro
contemporâneo citado por Sanches é Dalton Trevisan, grande potencial tuiteiro,
autor da seguinte pérola:
“Esse aí me
adora, sim: daqui para baixo”.
Miguel
Sanches Neto termina seu artigo de forma categórica: “Assim, quando o Twitter
foi inventado, já tínhamos uma prática centenária de linguagem fragmentada,
irônica, inteligente e desabusada, vinculada à oralidade e ao povo. Daí o
grande sucesso do microblog entre nós, por permitir que conjugássemos
coletivamente toda uma tradição.”
À lista de possíveis tuiteiros, gostaria de acrescentar o
nome de José Rezende Jr., jornalista e ficcionista radicado em Brasília, que publicou
em Estórias mínimas (7 Letras, 2010) quase 200 microcontos, todos com menos de
140 toques, portanto tuitáveis, de valor literário indiscutível. Cito aqui o
Abraço
partido
“Lava carros
o dia inteiro, com um único braço. Só sente falta do membro amputado quando
chega em casa, e abraça pela metade a mulher amada.”
Quando ouço o comentário Não gosto
do Twitter, (parece que o mundo está dividido entre aqueles que preferem o
Twitter e os fãs do Facebook) penso que o sujeito não gosta é do que se escreve
no Twitter, ou como o blog é utilizado, talvez até por ele mesmo.
Não há exercício melhor para se
desenvolver a capacidade de síntese que o Twitter literário. O primeiro dos
aforismos de Franz Kafka, na tradução sempre correta de Modesto Carone
(Serrote, IMS, 2009), não caberia num twitter, por conter 159 toques:
“O
verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada no alto, mas logo
acima do chão. Parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser percorrida.”
Minha admiração por Kafka, e
particularmente por este aforismo, levou-me a adequá-lo ao Twitter, sem
qualquer perda de sentido ou conteúdo:
O
verdadeiro caminho passa por uma corda não esticada no alto, mas logo acima do
chão, mais destinada a fazer tropeçar que a ser percorrida.
Quem
sabe um Kafka tuiteiro nos presenteasse a todos nós com esta magnífica ideia!
Bem,
está visto que sou fã ardoroso do microblog, criado em 2006 por Jack Dorsey.
(Diga-se de passagem que não gosto do Facebook...)
Neste
Louco por cachorros, o marcador "microconto" guarda meus twiters, que já somam
117, agora com o incentivo de Miguel Sanches Neto.
Ref.: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed760_a_tradicao_do_twitter_no_brasil
Ref.: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed760_a_tradicao_do_twitter_no_brasil
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