segunda-feira, 15 de julho de 2013

13. Uma questão religiosa


            Nos seminários realizados com os alunos de graduação em Medicina ao longo de 33 anos, invariavelmente surgia a questão religiosa. Deve-se respeitar a fé do paciente? Ou buscar convertê-lo à crença do médico, com o intuito de estreitar a relação médico-paciente e consequentemente tornar mais fácil o apoio psíquico? Se o paciente é ateu e o médico religioso, este deve influenciá-lo, visando o chamado conforto espiritual que a religião pode oferecer?
            Os estudantes foram quase unânimes em responder que a crença do paciente deveria ser sempre respeitada. Caso ele fosse ateu, alguns pensavam que o médico poderia oferecer-lhe uma alternativa, ao falar, por exemplo, na existência de Deus e na justiça divina.
            Apenas uma vez, lembro-me bem, um aluno do último ano de Medicina foi categórico ao afirmar que sempre tentava trazer o paciente para a sua própria religião. Diante da reação imediata e contrária do grupo, ele se justificou calmamente:
            – Acredito que a minha crença religiosa seja a ideal, e que haverá de conduzir à salvação, na eternidade, aqueles que a professam. Se isso é o melhor para mim, creio que também o seja para meus pacientes.
            Não tenho dúvidas de que o aluno estava sendo sincero. Ele apenas não podia conceber a ideia de que existe a verdade de cada um.

            Tornaram-se clássicos os cinco estágios de comportamento diante da notícia de que o paciente é portador de doença grave e incurável, estabelecidos por Elisabeth Kübler-Ross: (1) negação e isolamento; (2) raiva; (3) barganha; (4) depressão; (5) aceitação. Eles nem sempre estão presentes, e não necessariamente nesta ordem. Porém, nos dois primeiros estágios, especialmente quando o paciente está tomado por ódio, a pergunta que explode de seu interior é Por que tinha que acontecer comigo? Nesse momento, tentar incutir-lhe alguma crença ou simplesmente tentar aliviar sua aflição com palavras do tipo “é a vontade de Deus”, “Deus sabe o que faz”, “seja paciente e confie em Deus”, isso pode causar-lhe frustração ainda maior, agravando-lhe a dor psíquica. 
          Segundo Kübler-Ross, nesta fase, o padre ou  pastor incapazes de tolerar a "blasfêmia" do paciente - Deus não existe - podem incorrer no erro da tentativa de convencimento, gerando mais ódio. O que de melhor se pode fazer nesses momentos é ouvir, ouvir, ouvir, para que o paciente possa acreditar que você está do lado dele.

Um comentário:

  1. Talvez exista um territorio comum a todas as religioes que mesmo os ateus podem compartilhar: o território da ética, da solidariedade e da arte (do belo). Talvez seja esse o campo em que o medico pode encontrar o seu paciente e partilhar com ele a mutua humanidade. Se Deus existe, ficara satisfeito...

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