Por que somos a única espécie humana do planeta? A reportagem de Nuño Domínguez para El País traz ótimo resumo do conhecimento atual sobre a evolução humana (4 jul 2021).
“Três descobertas nos últimos dias acabam de mudar o que sabíamos sobre a origem da raça humana e da nossa própria espécie, Homo sapiens. Talvez − dizem alguns especialistas − precisemos abandonar esse conceito para nos referir a nós mesmos, pois as novas descobertas sugerem que somos uma criatura de Frankenstein com partes de outras espécies humanas com as quais, não muito tempo atrás, compartilhamos planeta, sexo e filhos.
As descobertas da última semana indicam que cerca de 200.000 anos atrás havia até oito espécies ou grupos humanos diferentes. Todos faziam parte do gênero Homo, que nos engloba. Os recém-chegados apresentam uma interessante mistura de traços primitivos − arcos enormes acima das sobrancelhas, cabeça achatada − e modernos. O “homem dragão” da China tinha uma capacidade craniana tão grande quanto a dos humanos atuais, ou até superior. O Homo de Nesher Ramla, encontrado em Israel, pode ter sido o que deu origem aos neandertais e aos denisovanos que ocuparam, respectivamente, a Europa e a Ásia e com quem nossa espécie teve repetidos encontros sexuais, dos quais nasceram filhos mestiços que foram aceitos em suas respectivas tribos como mais um.
Agora sabemos que devido àqueles cruzamentos todas as pessoas de fora da África têm 3% de DNA neandertal, ou que os habitantes do Tibete têm genes transmitidos pelos denisovanos para poder viver em grandes altitudes. Algo muito mais inquietante foi revelado pela análise genética das populações atuais da Nova Guiné: é possível que os denisovanos − um ramo irmão dos neandertais − tenham vivido até apenas 15.000 anos atrás, uma distância muito pequena em termos evolutivos.
A terceira grande descoberta dos últimos dias é quase detetivesca. Na análise de DNA conservado no solo da caverna de Denisova, na Sibéria, foi encontrado material genético dos humanos autóctones, os denisovanos, de neandertais e de sapiens em períodos tão próximos que poderiam até se sobrepor. Lá foram encontrados há três anos os restos do primeiro híbrido entre espécies humanas que se conhece: uma menina filha de uma neandertal e de um denisovano.
O paleoantropólogo Florent Detroit descobriu para a ciência outra dessas novas espécies humanas: o Homo luzonensis, que viveu em uma ilha das Filipinas há 67.000 anos e que apresenta uma estranha mistura de traços que poderiam ser o resultado de sua longa evolução em isolamento durante mais de um milhão de anos. É um pouco parecido com o que experimentou seu contemporâneo Homo floresiensis, ou “homem de Flores”, um humano de um metro e meio que viveu em uma ilha indonésia. Tinha um cérebro do tamanho do de um chimpanzé, mas se for aplicado a ele o teste de inteligência mais usado pelos paleoantropólogos, podemos dizer que era tão avançado quanto o sapiens, pois suas ferramentas de pedra eram igualmente evoluídas.
A esses dois habitantes insulares se soma o Homo erectus, o primeiro Homo viajante que saiu da África há cerca de dois milhões de anos. Ele conquistou a Ásia e lá viveu até pelo menos 100.000 anos atrás. O oitavo passageiro desta história seria o Homo daliensis, um fóssil encontrado na China com uma mistura de erectus e sapiens, embora seja possível que acabe sendo incluído na nova linhagem do Homo longi.
Por que nós, os sapiens, somos os únicos sobreviventes? Para Juan Luis Arsuaga, paleoantropólogo do sítio arqueológico de Atapuerca, no norte da Espanha, a resposta é que “somos uma espécie hipersocial, os únicos capazes de construir laços além do parentesco, ao contrário dos demais mamíferos”. “Compartilhamos ficções consensuais como pátria, religião, língua, times de futebol; e chegamos a sacrificar muitas coisas por elas”, assinala.
María Martinón-Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre Evolução Humana, com sede em Burgos, acredita que o segredo seja a “hiperadaptabilidade”. “A nossa é uma espécie invasiva, não necessariamente mal-intencionada, mas somos como o cavalo de Átila da evolução”, compara. “Por onde passamos, e com nosso estilo de vida, diminui a diversidade biológica, incluindo a humana. Somos uma das forças ecológicas de maior impacto do planeta e essa história, a nossa, começou a se delinear no Pleistoceno [o período que começou há 2,5 milhões de anos e terminou há cerca de 10.000, quando o sapiens já era a única espécie humana que restava no planeta]”, acrescenta.”
As descobertas permanecem em curso. Esta é a beleza da Ciência: não há verdade definitiva, porém os avanços conquistados baseiam-se em fatos, e fatos são verdades. Há muita gente no Brasil precisando pensar sobre isso.
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