sábado, 14 de março de 2015

O renascimento de José J. Veiga




Quando José J. Veiga (1915 – 1999) publicou seu primeiro livro, aos 45 anos, eu ainda fazia uso de cueiros literários, saía de Monteiro Lobato para ingressar, à força, na literatura de adultos, pelas indicações do saudoso professor de português, Seu Afonso, na época do então denominado ginásio. Cresci ouvindo falar no escritor, mas nunca o li. Espero viver o suficiente para resgatar este pecado.
Começo minha leitura pelo começo, pelo primeiro livro de Veiga: Os cavalinhos de Platiplanto, reeditado agora pela Companhia das Letras (2015), que pretende reeditar a obra completa de Veiga. (Nunca se sabe bem o por quê, o fenômeno não é raro, mas alguns escritores, bons escritores, aos pouquinhos vão desaparecendo, a obra esgotando-se nas editoras, nas livrarias, como que morrendo para a mídia literária. Foi o que ocorreu com José J. Veiga, e tantos outros. Daí a importância desta empreitada, a reedição deste autor. Foram publicados até agora, além de Os cavalinhos, A hora dos ruminantes.)
Veiga nasceu na Fazenda Morro Grande, divisa dos municípios de Pirenópolis e Corumbá, em Goiás. O pai dele era pedreiro; aprendeu com a mãe a ler e escrever. A infância – magistralmente retratada em Os cavalinhos –, passou-a à beira de rios, em quintais baldios, em brincadeiras de criança da roça.
Veiga formou-se em Direito e nunca exerceu a profissão. Jornalista, residiu em Londres de 1945 a 1950, trabalhando como correspondente na BBC. Durante 20 anos foi redator e tradutor para as Seleções do Reader’s Digest.
Parece que o lançamento de seu primeiro livro teve uma ajudinha de ninguém menos que Guimarães Rosa, que lhe sugeriu o uso da inicial “J.” no meio de seu nome, J. de Jacinto, nome materno.
Na atual reedição, caprichada, capa dura, o excelente prefácio de Silviano Santiago – trata-se muito mais de um ensaio de que um prefácio –, faz exaustiva e interessantíssima comparação entre o conto A Ilha dos Gatos Pingados, de Veiga, e o poema Infância, de Carlos Drummond de Andrade. Santiago afirma:
“Os dois se filiam à tradicional e já longa descendência do romance Robinson Crusoé (1719), obra prima de Daniel Defoe, o único livro de toda a literatura mundial que Jean-Jacques Rousseau, o filósofo iluminista francês, recomenda às crianças na idade escolar.”
No conto que dá título ao livro, o narrador-menino emociona o leitor, no trecho que se segue:

“Mas quando a gente é menino parece que as coisas nunca saem como a gente quer. Por isso é que acho que a gente nunca devia querer as coisas de frente por mais que quisesse, e fazer de conta que só queria mais ou menos. Foi de tanto querer o cavalinho, e querer com força, que eu nunca cheguei a tê-lo.”

            Veiga, desde a infância, conhecia a importância da frustração, da aceitação da frustração, na formação do caráter de uma criança.
             Mais não adianto para não tirar o espanto do possível futuro leitor de Os cavalinhos de Platiplanto, de José J. Veiga, se é que todos já não o leram, e eu, bobo aqui, na minha santa ignorância.