Imagem & microconto
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
Felicidade
Eternidade
Imagem & microconto
A noite escura, no silêncio das ruas vazias, ela esperou, esperou... Ele não veio.
Foto: autor desconhecido.
Satélite
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmistificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.
Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
– Satélite.
Manuel Bandeira
Estrela da tarde
Poesia completa e prosa
Ed. Nova Aguilar, 1990
Agora já não eram precisas contradanças...
100 anos de José Saramago
“Agora já não eram precisas contradanças de quem vai dormir com quem, Joaquim Sassa abriu o sofá-cama ajudado por Pedro Orce, Joana Carda retirou-se discretamente, e José Anaiço ficou uns momentos ainda, sem jeito, fingindo que não era nada consigo, mas o coração batia-lhe dentro do peito como um rufo de alarme, ressoava na boca do estômago, fazia abalar todo o prédio até aos alicerces, embora esta tremura não se pareça nada com a outra, enfim disse, Boas noites até amanhã, e retirou-se, é bem certo que as palavras nunca estão à altura da grandeza dos momentos.”
José Saramago
A Jangada de Pedra
https://blimunda.josesaramago.org/contradancas/
Porquinho-da-índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
– O meu porquinho-da-índia foi a minha
[primeira namorada.
Manuel Bandeira
Libertinagem
Poesia e prosa completa
Ed. Nova Aguilar, 1990
Aprendi pouca coisa, quase nada, nessa vida tão curta. Pois foi no domingo passado, aos 75 anos, que ouvi pela primeira vez, na voz de minha mulher, este poema de Manuel Bandeira. Logo eu, que passei toda minha vida lendo Bandeira, interessado na relação dele com a morte, de como enfrentou a terrível tuberculose, e venceu com a ajuda da Poesia.
Hoje prefiro o humor e a ironia de Bandeira, tão bem expressos nesse poema. Mercêdes foi apresentada ao porquinho-da-índia ainda menina, estudante de escola pública no interior de Minas Gerais. Conheci Bandeira na escola pública no interior de São Paulo.
Como eram excelentes as escolas públicas de antigamente!