Durval era conhecido como um sujeito bruto. Um brutamontes, diziam
alguns; um troglodita, afirmavam outros. Aqueles que já haviam sido vítimas daquele
seu modo de ser não faziam por menos: um verdadeiro cavalo! Durval não era mau
sujeito, era apenas rude, muito rude. Não foi à toa que recebeu a alcunha de
Cachorro Louco, da qual ele mesmo se orgulhava, Apelido de macho, exclamava
estufando o peito. A origem do cognome tem uma história que merece ser contada.
Tudo começou quando Adalberto
prometeu aos três filhos pequenos que lhes daria um cãozinho de presente logo
que se mudassem para a casa nova. Consumada a mudança começou o Eu quero,
Porque quero, Você prometeu, Agora tem que cumprir. Para dizer a verdade,
Adalberto também queria o animal, saudoso dos tempos de criança e de seu
inseparável Lobo, um mestiço de pastor alemão.
Quando Adalberto comentou com Roberto,
amigo e colega de trabalho, sobre a insistência dos filhos, ouviu a inesperada
resposta, Pois minha cadela acaba de parir oito lindos cachorrinhos e desde já
um é seu, pode passar lá em casa e escolher o que mais lhe agradar. Leve Marisa
e as crianças, completou o amigo.
No domingo seguinte, lá estavam pais
e filhos na casa do amigo, excitadíssimos com a expectativa de ganhar um animalzinho.
Qual a raça? – perguntou o filho mais
velho. Diana é um Fila brasileiro, com pedigree e tudo, respondeu Roberto, mas
o pai ninguém sabe direito... Suspeitamos de um mastim do vizinho da frente; um
dos dois deu uma escapadela e daí, já viu...
Adalberto assustou-se com as
informações, mas preferiu o comentário filosófico, Como na vida: a mãe a gente
sempre conhece; já o pai, é sempre incerto... Marisa não gostou do comentário
nem do tamanho de Diana, preocupada com o porte e a ferocidade do filhote depois de crescido. Mas podem ficar
sossegados, são cachorros de índole muito boa e adoram crianças, tranquilizou
Roberto, desejoso de se desvencilhar da ninhada. E eram mesmo lindos os
cachorrinhos, Muito mais bonitos que os bebês humanos, que mais se parecem com
um joelho, aparteou Roberto. O filho mais novo de Adalberto perguntou se não
podiam levar todos para casa, e não compreendeu as gargalhadas dos adultos.
Na semana seguinte voltaram para
fazer a escolha, os filhotes com um mês de idade, gordinhos de fazer gosto, umas
lindezas. Escolheram um macho amarelo com manchas castanhas, peito largo, patas
grossas, e uma cabeçorra escultural. Após uma semana de intermináveis
discussões para a escolha do nome, foi preciso uma votação para se chegar ao
resultado final, derrotados ambos os pais diante da unanimidade dos filhos:
Rambo, o nome do mais novo morador!
Rambo tornou-se o centro das
atenções, alegre, ativo, brincalhão, um leão na hora da comida. Crescia a olhos
vistos! Em uma semana já havia devorado cinco sapatos de Marisa e estraçalhado
uma camisa do Flamengo de Adalberto. Para a surpresa de Adalberto, Rambo nunca
latia, apenas rosnava, porém com uma ferocidade de cachorro grande, bastava
contrariá-lo e lá vinha um rosnado de meter medo.
Com pouco mais de um ano de idade
Rambo tornou-se o terror do bairro, temido por todos, apelidado de Monstro.
Havia matado dois yorkshires do começo da rua, arrancado o rabo de um pitbull,
comido a orelha de um velho pastor, além das mordidas que nenhum dos três
filhos de Adalberto tinha escapado. Era preciso desfazer-se de Rambo, para a
tristeza geral. O animal vivia preso no canil, dia e noite, o que o tornava
ainda mais incontrolável.
Adalberto procurou pelo amigo
Roberto, não para queixar-se, mas para pedir conselho, O que eu faço com o
Rambo, Roberto? Deixa comigo, Adalberto, ouvi dizer que o Durval está
precisando de um cachorro bravo para tomar conta da fazenda; deixa que eu falo
com ele. Mais uma vez Adalberto assustou-se, conhecia bem a fama de Durval.
Às oito da manhã de um domingo de
sol toca a campainha, alguns ainda na cama, era o Durval: Cadê o Monstro? Nem um
alô-como-vai, nem um bom-dia, foi direto ao assunto, Vim buscar o cachorro.
Adalberto assustou-se pela terceira vez.
Foram ao canil para a apresentação
da fera. Abre o portão, disse Durval, seco, curto, naturalmente grosso. Mas o
cachorro é muito bravo, Durval, nem sei o que pode fazer com você aí dentro,
balbuciou Adalberto. Abre o portão, porra! Mas Durval... Caralho, abre o portão
Adalberto!
Aberto o portão, Durval entrou e
fechou-o atrás de si. Rambo partiu pra cima, num salto olímpico e certeiro em
direção ao pescoço de Durval, a bocarra escancarada, o ruidoso rosnar. Marisa,
ao presenciar a cena, desmaiou. O menino menor começou a chorar. Adalberto
prestes a ter um infarto, permaneceu paralisado.
Durval, que nunca perdeu o
autocontrole, acertou um murro no focinho do animal com tamanha violência que
deixou Rambo caído no chão do canil, prostrado e ganindo de dor, sangrando,
como se alguma coisa houvesse se quebrado em seu canino nariz. Pronto Adalberto,
pode abrir o portão, disse Durval; traga uma coleira e uma guia.
Assim foi feito. Colocada a coleira
em Rambo – animal mais dócil e obediente nunca houve –, Durval levou-o até o
banco da frente da caminhonete, sentou-o ao lado do motorista, Vou levá-lo para
a fazenda, Bom dia a todos. Adalberto, Marisa e os meninos, pasmos, responderam
com um inaudível Bom dia.
Daí em diante Durval passou a ser
conhecido como Cachorro Louco, apelido do qual muito se orgulhava, Não é para
qualquer um, Não é para qualquer um.