segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As damas de honra

Meus quadros favoritos


 Diego Velazquez, 1656

Homenagem ao Professor

Charge do dia


Aroeira 

Nossos ossos

 


 

Há pouca coisa tão viva nesse mundo quanto a Literatura. Ítalo Calvino explicou de forma detalhada e didática por quê devemos ler os clássicos, e ele estava certo. Acrescento eu, modestamente: porque a Literatura é um corpo vivo em evolução, é bom que acompanhemos também a produção literária contemporânea.

            Marcelino Freire é um belo representante da escrita coetânea. Publicou seu primeiro romance, Nossos ossos, em 2013, pela Editora Record. Uma segunda leitura, oito anos depois, ainda me surpreende e me alegra, especialmente pelo cuidado com a forma.

            Eis pequeno fragmento que ilustra a força da escrita de Marcelino:

 

“Estrela quando entrou a boate inteira parou, todo mundo a chamava de deusa, um grupo fez um círculo em torno dela, o palco ficava no chão, ela desfilava entre as mesas, boquiabertas, soltava a voz, não dublava, havia uma gravação apenas com instrumentos, eram dela, ao vivo, os gritos e trejeitos de Carmem Miranda.

            Por que as travestis se parecem comigo, pensei, Estrela era mais velha do que eu tinha imaginado, cheguei a apostar que fosse ela uma garota, sei lá, os peitos ainda estivessem no lugar, as roupas fossem mais modernas, no entanto ela era uma dama, uma cantora de rádio, enfeitada de plumas, subia as mãos ao céu, mostrava os anéis, os colares magníficos, as falsas pérolas.”

 

O livro todo é composto por três ou quatro parágrafos em cada página, todos apresentados em longos períodos, os diálogos sem qualquer preocupação com as convencionais marcas como maiúsculas, travessões ou aspas, o que empresta extraordinário dinamismo ao texto.

      Esta é uma opinião muito pessoal, estou certo de que não haverá de agradar a muitos. Tomo uma frase como exemplo: “Estrela quando entrou a boate inteira parou”: leio e releio essas palavras com enorme prazer, elas me soam como música!

      Na capa da primeira edição, a que disponho, a ilustração de Lourenço Mutarelli, que achei horrorosa; a intenção foi a de representar o título do livro, bastante interessante: Nossos ossos. 

Vale a pena conferir.