Vencida a fase de grupos, iniciado o chamado
mata-mata, podemos afirmar sem medo de errar que esta Copa do Mundo é um
sucesso! Dois aspectos podem ser considerados, um objetivo e outro subjetivo.
Os
jogos têm sido ótimos em sua grande maioria, sob o ponto de vista técnico. O
treinador do time russo, italiano de larga experiência, declarou que “nunca viu
uma copa como esta”. As seleções jogam ofensivamente, não há retrancas, são
raros os zero a zero. Até mesmo quando os times não apresentam um nível ótimo,
os jogos são movimentados, prendem a atenção do torcedor pelo entusiasmo e empenho
dos jogadores.
Os
estádios, de Manaus a Porto Alegre, sempre lotados, são um espetáculo a parte,
com a torcida colorida do mundo inteiro. Se os dois times são estrangeiros, os
autóctones escolhem um deles para torcer, geralmente o mais fraco, o que acaba
por animar o jogo.
Episódios
tristes não poderiam faltar, ou não seríamos todos humanos. O pior deles até
agora foi a surpreendente mordida do uruguaio Suárez, contumaz mordedor, agora
sabemos. Ora, quase todas as crianças passam pela fase das mordidas, não se
trata de algo estranho à espécie, seja por causa da freudiana fase oral, seja
porque se trata da arma mais eficiente de que dispõem as crianças, com poucos
recursos físicos para o ataque e defesa. Agora, se o sujeito não cresceu, se
não sabe lidar com sua agressividade, se não pode controlar certos impulsos, melhor
buscar tratamento adequado. (Pobres terapeutas...)
Até
mesmo os times eliminados após a fase de grupos perderam com dignidade, pois
perder faz parte do jogo, um clichê verdadeiro. Talvez a seleção russa pudesse
ter brigado um pouco mais no último jogo contra a Argélia. Portugal, se
acreditasse mais, poderia ter feito 4 gols em Gana. De modo geral os resultados
foram justos, os classificados para a segunda fase fizeram por merecer. Ah!, e
os goleiros têm brilhado!
Muito
mais poderia ser dito a respeito dos jogos e jogadores, deixo para os
comentaristas em suas mesas redondas, pois é disso que eles vivem. O que desejo
acrescentar diz respeito aos aspectos subjetivos do futebol, pois eles existem,
inegavelmente. Trata-se do jogo fora das quatro linhas (nem é preciso dizer que
adoro o jargão futebolístico; desde menino penso em publicar um dicionário do futebol,
dirigido àqueles que não possuem familiaridade com as expressões utilizadas
pelos narradores, como o drible da vaca, gol espírita, gol olímpico, chapéu, chaleira, bola
passada na caneta, elástico, frango, carrinho, banheira, bater roupa pelo goleiro, matar a bola, mão de alface, tapetão, folha seca, bola no ângulo, furada – furar o quê, o vento? –
enfim, só esta riquíssima linguagem já seria motivo de grande respeito e admiração pelo
futebol, e que ocorre, naturalmente, fora dos gramados.)
Como
explicar que um simples jogo, com poucas regras, diga-se de passagem, seja
capaz de despertar tamanha paixão mundo afora? Não são poucos os estudos
psicológicos, antropológicos e sociais tentando desvendar este mistério. A
origem da minha paixão, esta eu sei explicar. Dos 7 aos 17 anos eu jogava bola
todos os dias! Nossa casa, no interior de São Paulo, ficava ao lado de um lindo
campinho de futebol, margeado por um ribeirão, e bastava pular o muro e
ganhávamos – eu e meu irmão – um mundo de fantasia. A ótima escola onde fizemos
o segundo grau, com o pomposo nome de Instituto de Educação Conselheiro
Rodrigues Alves, tinha sua quadra de futebol ainda de terra batida, os joelhos
e cotovelos permanentemente ralados. Estudávamos pela manhã; terminadas as
aulas, íamos para casa almoçar, havia um descanso forçado (pela mãe) de trinta
minutos, e lá estávamos novamente na escola, para o diário futebol de todas as
tardes, para desespero da progenitora, que reclamava da falta de tempo para os
estudos.
Para mim, futebol tem o
puro gosto do que de melhor vivi na infância.