quinta-feira, 25 de julho de 2013

Meninos, eu vi...


Em homenagem a Djalma Santos,
falecido há dois dias.






            Estávamos no final dos anos 50 ou no início dos 60, não me lembro bem. O que importa é que o Palmeiras iria jogar em Guaratinguetá, contra a também querida Desportiva. O menino levou para o campo – o jogo seria à noite, onde o gramado e as cores dos uniformes ficam ainda mais bonitos – a íntima e dolorosa dúvida: torcer por quem?
            O pai não perguntou, também ele palmeirense, muito menos o irmão, corinthiano roxo. Foram em silêncio para o estádio.
            Quando o Palmeiras entrou em campo a torcida local ensaiou vaia, logo reprimida pela presença de grandes jogadores, entre eles Djalma Santos, escolhido o melhor lateral direito da Copa de 58, na Suécia.
            Lá pelas tantas, a bola correndo pela lateral do campo em direção à ponta direita, bem próximo de onde nos encontrávamos na arquibancada, aconteceu a insólita jogada. Corriam juntos o Djalma – ele era lateral mas atacava como ponta – e o defensor da Desportiva, quando, num tranco lícito de ombro, o palmeirense jogou o adversário no alambrado, prosseguindo com a jogada, que terminou em cruzamento sobre a área do Desportiva.
            A torcida vaiou feio, juiz-ladrão-filho-da-puta, pedindo falta do palmeirense. Foi quando o menino levantou-se e começou a gritar, Foi de ombro, foi de ombro, isso vale, futebol é pra homem...
            O pai e o irmão espantaram-se com a desenvoltura do menino, e agora todos sabiam por quem ele torcia...

Uma informação preciosa


Dr. Álvaro precisava desesperadamente daquela informação!
Assumira recentemente a direção do Hospital Municipal de Paraíso do Oeste, que como todo hospital público, encontrava-se atolado em dívidas. Os fornecedores ameaçavam interromper as entregas, medicamentos, até os mais simples como os analgésicos, já não eram encontrados na farmácia do hospital, cirurgias começavam a ser suspensas por falta de material, até mesmo a cozinha sofria com a falta de recursos, empobrecido o cardápio dos já desnutridos paraisenses internados.
A crise agravava-se rapidamente, sem que se vislumbrasse qualquer socorro por parte da Prefeitura, do Governo do Estado, ou do Governo Federal. Paraíso, sem um deputado ou senador a quem pudesse recorrer, o próprio diretor, um simples médico sem qualquer apadrinhamento político, e que assumira o cargo muito mais por ingenuidade e idealismo, pois jamais pensara em auferir qualquer benefício político ou financeiro com o cargo, tudo e todos conspiravam contra a situação do HOMPO, a disfônica sigla pela qual era conhecido o nosocômio.
Até que surge a inesperada visita!
Fizeram-se anunciar por um telefonema de véspera, atendido pela secretária do diretor, que passou adiante a notícia, a de que dois senhores, representantes de uma organização internacional, tinham uma proposta a fazer, A salvação do HOMPO!, segundo eles mesmos.
No dia seguinte, grupo seleto de representantes do corpo clínico do hospital aguardava desde cedo pelos ilustres visitantes. Apresentaram-se os dois, simpáticos e bem falantes, com indisfarçável arrogância, diante da equipe que administrava o hospital. Nada pedimos, adiantaram, apenas desejamos ajudar: dispomos de quantia praticamente ilimitada de recursos financeiros para resolver em definitivo o problema do HOMPO! Apresentem com urgência uma lista dos equipamentos desejados, e serão rapidamente atendidos.
Correu o boato – alguém teria ouvido de um dos visitantes – que ofereciam cem milhões de reais ao hospital. A quantia era astronômica,  para as pretensões dos paraisenses. Embora desconfiados, puseram-se a organizar o rol de equipamentos, incluindo tomógrafos, ressonância magnética, tudo o que havia de mais moderno nas várias especialidades médicas, ambulâncias, leitos novos, monitores de última geração para a UTI, um não acabar mais de itens.
Desconfiados, é verdade, e por dois motivos. Primeiro porque os visitantes não explicaram bem a origem do dinheiro. Diziam que os recursos vinham de multinacionais ligadas a Unesco, com finalidade filantrópica, dinheiro de fundos perdidos. Segundo, porque não deixaram claro a função que eles mesmos representavam, quer diante da Unesco, quer frente às referidas multinacionais. A despeito da arrogância, não passavam de dois ilustres desconhecidos. Mas o que temos a perder?, disseram os médicos, Eles nada pedem em troca!
Dr. Álvaro, preocupado com a reputação do hospital, iniciou investigação pessoal a respeito dos dois senhores. Ligou para Brasília, falou com representantes do Ministério da Saúde, do Ministério das Relações Exteriores, até com a Casa Civil manteve contato. Falou com diretores de hospitais do Rio e São Paulo, e nada, ninguém conhecia os dois visitantes!
Até que recebeu telefonema de antigo colega de turma, médico atuante em São Paulo, que dizia conhecer alguém que dispunha das informações que Dr. Álvaro precisava. Apenas não podia transmiti-las por telefone, mas esperava o amigo para um jantar em sua residência, no afamado bairro do Morumbi, onde Álvaro seria apresentado a uma determinada pessoa que conhecia os supostos benfeitores.
No dia seguinte, bem cedo, Dr. Álvaro foi de carro até a capital de seu estado, e de lá tomou avião para São Paulo. Às próprias expensas, nem é preciso dizer, e no maior sigilo. Apenas sua esposa sabia de sua destinação. Ao cair da tarde chegou à mansão do amigo, cirurgião cardíaco de renome, solicitadíssimo pelos políticos e autoridades do país, diante da menor suspeita de doença do coração. Foi recebido amavelmente pela esposa do colega, Ele não chega em casa antes das onze da noite, informou ela. Mas prometeu que chegaria mais cedo naquela noite.
Dr. Álvaro não teve outro remédio senão esperar. Servido com salgadinhos e quitutes refinados, aproveitou para matar a fome, pois comera apenas o parco sanduíche do avião. Também não recusou o uísque 18 anos oferecido pela dona da casa.
Às dez da noite chegou o colega, acompanhado de um amigo, O tal que sabe das informações, pensou Álvaro. Entre abraços cordiais e manifestações de amizade, o jantar foi servido. A anfitriã era natural de Salvador, e não perdia a oportunidade para demonstrar suas habilidades culinárias a quantos visitantes recebia, com lauto banquete das mais variadas comidas típicas. Álvaro, não há em toda São Paulo comida baiana que se iguale a de minha mulher, adiantou orgulhoso o colega. Tudo regado a um chardonay francês de estirpe!
Ao final do jantar, passaram ao salão do café, onde, afinal, a portas fechadas, haveria a conversa tão aguardada pelo Dr. Álvaro. O homem, de pouquíssimas palavras, pois se manteve calado durante todo o jantar, foi lacônico, Aqui está, Dr. Álvaro, o nome e o número de telefone da pessoa que haverá de prestar-lhe todas as informações de que o senhor precisa. Passou-lhe uma folha de papel, contendo apenas um nome e o número do telefone, que Álvaro guardou cuidadosamente no bolso interno do paletó. Mais não disse, nem lhe foi perguntado.
Mudaram rapidamente de assunto, para espanto de Álvaro. Depois do café, foi servido o melhor conhaque e acesos os perfumados cohibas. Falaram de tudo e de todos, de como era agitada a vida paulistana, dos clientes famosos do cirurgião, do trânsito impossível da Capital, mas Álvaro já não prestava atenção à conversa. Sentia uma reviravolta nas tripas, a cabeça também a revirar-se, uma urgência absoluta, talvez a única real urgência desta vida, a necessidade de uma privada. A dona da casa, sempre solícita, indicou-lhe o lavabo junto à sala de jantar.
Enfim, o alívio. Acho que exagerei um pouco, pensou Álvaro. Porém, aquele ainda não era o fim de seu sofrimento. Terminada a abundante exoneração, ao buscar o papel higiênico, para seu desespero o rolo estava completamente vazio. Olhou em volta, na esperança de encontrar um rolo sobressalente, e nada. Procurou, não sem grande esforço e desconforto, no pequeno armário debaixo da pia, nada. Mais esta agora, exclamou! Que dia, que dia!
Não lhe restou outro recurso senão usar a folha com o nome e o número de telefone. Álvaro ainda tentou memorizá-los, mas a cabeça girando, girando, não ajudava.
Despediu-se constrangidíssimo, tomou um táxi, procurou um hotel barato próximo à Praça da República, e dormiu um sono sem sonhos. Acordou por volta do meio-dia, ingeriu apenas uma xícara de café preto, e por sorte conseguiu embarcar num voo para a capital de seu estado. Perto das onze da noite estava em casa. Sua mulher espantou-se, Álvaro, você está verde, o que aconteceu? Nada, nada...
Como havia partido em sigilo, em sigilo retornou ao trabalho. Encontrou pronta a lista de equipamentos generosamente elaborada pelos colegas. Naquela mesma manhã os dois misteriosos visitantes voltaram ao hospital, informando que todos podiam aguardar com tranquilidade, que os pedidos seriam atendidos dentro de poucas semanas. O HOMPO está salvo!
Dr. Álvaro nunca mais teve notícias deles. Muito menos de qualquer equipamento, que aliviasse a penúria em que se encontrava o hospital. E que se encontra até hoje.