Em 20 de
agosto de 1889 nasceu Cora Coralina, recebendo o nome de Ana Lins de Guimarães
Peixoto Bretas, na Cidade de Goiás.
Penso que não
poucos intelectuais desaprovam sua poesia, talvez classificando-a como ingênua
demais, pobrinha mesmo, afeita apenas às coisas pequenas do cotidiano. É
possível que seja esta a razão pela qual o Estadão publica, no aniversário da
poeta, alguns depoimentos de contemporâneos de reconhecida estirpe, sobre ela.
Eis um resumo
desses comentários:
Flávio Carneiro: “...a visitei quando tinha uns 20 e
poucos anos, já morava no Rio e estava para publicar meu primeiro livro. Ela me
perguntou o que era mais importante pra um escritor e respondi, apressado:
publicar. Ela então me disse: não, o mais importante pra um escritor é
escrever.”
André de Leones: “...eu me lembro da sensação agridoce
causada por versos como: "Faz da tua vida mesquinha / um poema". ...os
versos de Cora Coralina falam baixo, remetendo a paisagens familiares, mas de
maneiras que nos fazem observá-las de novo e de novo, como se fôssemos
forasteiros.”
Ignácio de Loyola Brandão: “O chamado fenômeno Cora Coralina é
simples. Os talentos são naturais, acontecem, estejam onde estiverem. São
vulcões que entram em erupção de um momento para o outro. Às vezes são
descobertos. Outras vezes, não. Cora Coralina, Manoel de Barros. Fenômenos da
natureza da literatura. Não são fabricados, são pedra bruta, são pureza.”
Armando Freitas Filho: “O fenômeno de Cora Coralina só pode ser
bem entendido, a meu ver, quando se sente no que ela escreveu, o sentimento
popular do seu lugar e do seu modo de expressar, o que sua vida ali, em ligação
direta, soube captar e transcender.”
Mariana Ianelli: “Foi poeticamente tão madura e
consciente da sua autenticidade que chegava a ser marota quando se auto-definia
“cultivadamente rude”. Rude porque seu léxico exuberante, sua poesia ritmada,
sua atmosfera de estórias de antigamente, de uma gente e uma Goiás “de dantes”,
têm fonte fora dos livros, no barro das coisas, na experiência de ter posto a
mão na vida ao longo do tempo, como, doceira que era, também punha a mão na
massa.”
Fabrício Carpinejar: “Ela conseguiu trazer um público novo
para a poesia. Aliás, ela tem dois públicos fiéis: o que gosta de poesia, porque
ela é uma poeta que fala de poesia, e o que gosta da simplicidade – e que
cultua o interior, a casa, o beco, o imperfeito, a vida devagar. Ela conseguiu
algo muito difícil na poesia, que é a comunicabilidade e a expressividade. Uma
poeta que mistura vida e obra, perfeitamente.”
Henrique Rodrigues: “A existência de Cora Coralina é uma
vitória da poesia sobre o tempo. Se ela tivesse participado da Semana de 22 – o
marido a proibiu –, creio que teria entrado para a história da literatura
brasileira bem antes.”
Marina Colasanti: “O sucesso da sua poesia se deve menos à
forma do que à fonte de que emanava, mais ao testemunho do que às palavras,
mais à mulher forte e admirável que ela foi do que à poeta.”
Wesley Peres: “O grande elogio de Drummond foi sobre
Cora, e não sobre sua hora. Esperto que era, ele disse que Cora é a pessoa mais
importante de Goiás, mais importante do que o governador.”
Raimundo Carrero: “Tudo isso emerge de sua solidão e da
convivência com o silêncio cheio de encanto e de doçura. A sua linguagem vem da
inquietação desses ambientes que parece envolver os seus leitores .”
Antonio Carlos Secchin: “Cora Coralina é exemplo do que a
“poesia espontânea”, sem o lastro de outras leituras, consegue produzir.
Talentosa, escreveu bons poemas, mas circunscritos, conforme nota de um seu
editor, aos “objetos imediatos e caseiros”.
Ramon Nunes Mello: “O que me encanta em Cora Coralina é a
simplicidade. A cada dia compreendo que a sabedoria (o verdadeiro saber) está
intimamente ligado à humildade. Cora preservou a virtude da humildade,
caracterizada pela consciência das próprias limitações. E assim, alcançou o
estado de graça com sua poesia, para retratar o sentimento do seu povo.”
Dirce Waltrick do Amarante: “A coisa mais interessante da Cora Coralina
que li foi aquele longo poema “épico” sobre o milho, pois tem muitas
ressonâncias míticas, remetendo, por exemplo, ao “Popol Vuh”, sem falar que é
ecologicamente um marco contra as nossas sementes manipuladas de hoje.
Como não
me considero um intelectual, longe disso, haja vista a existência deste Louco
por cachorros, sinto-me livre para gostar de Cora Coralina. Que, diga-se de passagem, continua viva!
Primeira
estrofe de Os aborrecimentos de Aninha:
Meus
vestidos de menina...
pregados
– saia e corpo.
Abotoados
na cacunda.
Pala
rodeada de babados
que eu
mordiscava, mascava,
estragava.
Mãe ralhava.
Falta
de cálcio, vitamina, alimentação,
leite
ovos, esclarecida depois do tempo.
Vício,
dizia a casa. Filha de velho doente.
Em Vintém de cobre –
Meias confissões de Aninha.