segunda-feira, 8 de junho de 2020

Oficina do Tobias XI

Folhetim


Undécimo encontro

Penso eu, talvez ninguém mais pense assim, de modo que os senhores não precisam concordar, mas bem que podiam experimentar: – que escrever cartas é a maneira mais fácil de iniciar na arte da escrita. Assim Tobias dá início ao encontro.
            E prossegue, Escolham um amigo, um parente próximo ou distante, vivo ou morto, namorado ou namorada, um antigo professor por quem nutram alguma admiração ou mesmo ódio, um político para ajustar contas, um antigo colega de turma, um destinatário qualquer. E escrevam: sobre tudo e sobre nada, falem do tempo, da política federal, futebol é ótimo tema para quem gosta, Literatura – assunto infinito –, Cinema – outro assunto infindável –, Arte, Filosofia, Religião, escrevam ao pai como Kafka escreveu, à mãe, aos filhos, escrevam sobre cães e gatos, passarinhos e borboletas, assunto não faltará nunca. Manoel de Barros escreveu: “Qualquer palavra serve para a poesia”; eu escrevo: as palavras servem para ser pronunciadas e para ser escritas, mas estas últimas são as que ficam!
            
Caríssimo Fulano de Tal,

escrevo para saber notícias de você e de sua família...

            Assim comecem, e por aí vão..., arremata Tobias, com esta frase que entra para a história da Oficina! Lembrem-se, a carta não precisa ser necessariamente enviada; guardem-na, entretanto; será sempre possível uma releitura crítica no futuro. Tobias parece empolgado com o tema, deve ser mesmo um missivista contumaz. 
            Helena, pediatra que ainda não havia se manifestado, fala Quando passei no vestibular para Medicina minha mãe me pediu para escrever uma carta à minha primeira professora do ensino fundamental, D. Dulce, e gostei da ideia, assim o fiz, para exprimir minha gratidão. Essas coisas a gente aprende, não nasce sabendo, como sentir gratidão, empatia, e escrever aquela carta me ajudou a registrar em minha mente tal sentimento. (Foi aplaudida, não preciso dizer.)
            Vou lhes confessar, disse João à queima-roupa, o carioca estudante de Farmácia, certa feita me encontrava numa pindaíba desgraçada, na dureza geral, sem um puto no bolso, então resolvi escrever a um amigo, solicitando algum. Colei no envelope um selo usado e enfiei debaixo da porta do apartamento dele, em Copacabana. Diz a carta – João tirou ensebada folha de papel do bolso do paletó e leu:

“Alfredo, queridíssimo e saudoso amigo,

espero que esta lhe encontre em ótimo estado de saúde, em plenas condições mentais e financeiras, para suportar o baque das notícias que infelizmente passo a relatar. Alfredo, estou na penúria absoluta. Não como há 2 dias. Tenho passado a pão e água. Visto farrapos sujos, pois não posso pagar uma lavanderia. Tenho o cabelo desgrenhado pois não posso pagar o barbeiro, que não me corta fiado. Alfredo, estou fodido. Puta que pariu Alfredo!, eu não merecia isso. Mas sejamos objetivos: preciso de 10 mil no momento, o que me aliviaria deveras. Você é minha última esperança, Alfredo. Trata-se de um empréstimo, que saldarei logo que minha condição financeira permitir.
Contando com sua compreensão, do amigo de sempre e de todas as horas, 
                        João Aquino da Cruz e Sousa.”

            Vocês não vão acreditar, meus colegas! Alfredo me emprestou os 10 pilas! Readquiri minha dignidade, comprei um terno novo, tinindo, me aprumei, minha situação financeira e social melhorou muito. Sabem como? Casamento de conveniência, encontrei viúva podre de rica. Só assim pude pagar a matrícula dessa porra de oficina. É que, para disfarçar, que agora sou homem de respeito, arranjei emprego num jornal, para escrever obituários, por isso estou aqui. Larguei a Farmácia, agora sou jornalista. E vão me desculpando os palavrões. Ah!, saldei a dívida com meu amigo Alfredo.
            O grupo permanece em assombrado silêncio, sem saber o que pensar. Ana Paula não se aguenta, Isso tudo é verdade mesmo ou você está dando uma de Suzete? Verdade verdadeira, assente João, rindo, sem um pingo de vergonha na cara.
            (Nelson Rodrigues afirma que todo canalha é magro; João é magro..., pensa Tobias e guarda para si tais elucubrações, que não está ali para julgar ninguém.) 
            Tobias não perde a pose, Vejam os senhores como é fundamental saber redigir uma carta, pode mudar a vida de vocês, o que não é pouco, ironiza. E diante desta inesperada oportunidade, só me resta anunciar o tema de amanhã: o uso e abuso do palavrão.
            Tenham uma boa tarde, senhores.