Duas manchetes aparentemente não relacionadas ocuparam a primeira página do The New York Times, suplemento da Folha, no último sábado (25/4): “Oriente Médio abre nova corrida armamentista” e “Tesouros de arte à venda”. A conexão que posso estabelecer entre elas diz respeito à face mais perversa do capitalismo contemporâneo.
A Arábia Saudita usa caças F-15 da Boeing na guerra no Iêmen, os Emirados Árabes Unidos bombardeiam o Iêmen e a Síria com os F-16 da Lockheed Martin, os Emirados devem adquirir drones Predator da General Atomics.
A indústria armamentista americana aguarda o pedido de países aliados árabes (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein, Jordânia e Egito) que combatem o Estado Islâmico, de compra de milhares de mísseis, bombas, tanques, aviões, todo tipo de armamentos para a recomposição de seu arsenal de guerra. O resultado disso é um boom para fabricantes americanos de armamentos em busca de negócios no Oriente Médio.
A Arábia Saudita destinou mais de US$ 80 bilhões para armamentos em 2014 – o maior gasto militar de sua história –, e os Emirados Árabes Unidos gastaram quase US$ 23 bilhões, no ano passado. O Qatar comprou dos EUA helicópteros de ataque Apache e sistemas de defesa antiaérea Patriot e Javelin por US$ 11 bilhões e espera ainda adquirir caças F-15 da Boeing para substituir os jatos Mirage franceses. A Boeing abriu um escritório em Doha em 2011, e a Lockheed Martin fez o mesmo este ano.
E quem paga esta conta? Lá, como aqui, é o povo.
A segunda manchete refere-se à venda de obras de arte de valor inestimável por vários museus da Europa, todos eles passando por dificuldades orçamentárias. Para cobrir gastos, desfazem-se da prataria da casa.
No Reino Unido, a estátua egípcia do Escriba Sekhemka, de 4.500 anos, pertencente ao museu de Northampton, foi a leilão e arrematada por um comprador anônimo por US$ 27 milhões. E os milionários compradores anônimos guardarão a sete chaves suas relíquias, longe dos olhos dos simples mortais.
O museu de arte de Münster, Alemanha, pode perder uma escultura de Henry Moore, em exposição naquela instituição há 40 anos, para pagar débitos do museu. (O povo acorre ao museu para ver, talvez pela última vez, as obras de arte.)
Quem perde com tais transações se não o povo?
Para o feroz regime capitalista, o que importa é a movimentação do dinheiro para a obtenção do lucro, seja na fabricação e venda de armas, seja na espoliação dos museus. O povo, ah! o povo, que se dane.