Não resisto a um livro
bonito, bem feito, de preferência com capa dura, sobrecapa, cabeceado,
tipografia caprichada, papel de qualidade, enfim, edição bem cuidada. Até o
gosto por canetas, gosto antigo, abandonei, mas o livro continua sendo o único objeto
de desejo. Se o conteúdo é de valor, aí então nem se fala!
É o caso de Dentro
de mim ninguém entra, de José Castello e Bispo do Rosário, editora
Berlendis & Vertecchia (São Paulo, 2016).
Antes de tudo, preciso registrar uma novidade: quando se
abre a capa, surge a lombada nua, áspera, crua, revelando os cadernos unidos
pela costura e um pouco de cola. Arthur Bispo do Rosário ia gostar.
O texto é de José Castelo, (isso mesmo, o jornalista
famoso, e escritor de peso), misto de ficção e realidade: não é sempre assim? Castello
entrevistou Bispo do Rosário em 1985, no Manicômio Juliano Moreira, acompanhado
do renomado fotógrafo Walter Firmo. Parece que o encontro deixou-o perturbado,
tal a confusão reinante. O ensaio foi publicado originalmente em Inventário das sombras (Record, 1999).
As fotografias, belíssimas, são de Andrés Otero (2016).
Todas as
obras reproduzidas no livro pertencem à coleção do Museu Do Rosário Arte
Contemporânea, Prefeitura do Rio de Janeiro.
Seleciono
dois pequenos trechos do livro, que me tocaram em particular:
“Talvez escrever seja a
única maneira que me sobra para me livrar dessa cama. Se meu corpo continua
preso, minha cabeça está solta. Ninguém a pega, ninguém a alcança. A cabeça é
uma espécie de castelo em que a gente guarda nossas coisas mais íntimas. Essas
coisas secretas que carregamos dentro da gente. Esses pensamentos que só a
gente tem.
Estou pensando nessas
coisas quando me vem à cabeça uma frase que, nas brigas com meus pais, sempre
gostei de repetir: ‘Dentro de mim ninguém entra’.”
O trecho acima fala da tal escrita terapêutica, tão
badalada aqui nesse blog. O fragmento seguinte trata do mesmo tema, a
necessidade da escrita, porém sob ótica um pouco diferente:
“Os
caras famosos que escrevem histórias só fazem isso porque esperam que as pessoas,
depois de lerem, gostem mais deles. Eles escrevem também para ganhar dinheiro
com seus livros. Não é para nada disso que eu escrevo. Não escrevo para ganhar
dinheiro ou ser famoso. Eu também não escrevo essa história para deixar ninguém
feliz, eu escrevo essa história para me sentir feliz.
Talvez
seja por isso que o doutor acha que estou doente. A minha doença não está em
contar histórias, mas em não me importar com que os outros acham delas. Se isso
me interessasse, eu mostraria minha história a alguém. Mas não sinto nenhuma
vontade de mostrar. Não escrevo para aparecer – na verdade, acho que escrevo
para desaparecer. Eu me escondo atrás de minhas histórias como se elas fossem
cobertores.”
O livro apresenta ao final uma minibiografia intitulada Arthur
Bispo do Rosário: o mordomo do Apocalipse, ainda de autoria de Castello.
A 30a
Bienal de Arte de São Paulo, em 2012, apresentou extensa coleção das peças de Bispo, que
foram por mim fotografadas. Apresentei-as à época neste mesmo blog, e estão nos
endereços abaixo. Vale a pena conferir.