sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Evandro Affonso Ferreira surpreende


Autor de literatura originalíssima, até mesmo verificável nos títulos de seus livros (Araã!, Grogotó, Zaratempô!, Catrâmbias!, Erefuê, Minha mãe se matou sem dizer adeus, Os piores dias de minha vida foram todos, O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, e o recentíssimo Nunca houve tanto fim como agora), Evandro Affonso Ferreira permanece um autor pouco lido.
Para quem deseja uma pequena amostra do estilo de Evandro Affonso Ferreira, em Não tive nenhum prazer em conhecê-los (Record, 2016, p. 142-3), eis três trechos escolhidos aleatoriamente (ele separa os textos assim mesmo, através de asteriscos):

*Já vivi, sim, noventa anos, mas sem muita destreza para reprimir próprios rancores. Sei que exagerei nos atalhos: cheguei cedo demais na velhice. Acho que fui estrangulado pela afoiteza. Sei que envelhecer é se atafulhar de prenúncios; é ser refém das torpezas da decrepitude. Seja como for, tenho medo nenhum de ventanias: não há mais telhas na cobertura da construção da minha vida. Ficaram, sim, meus passos lentos e estouvados dentro desta casa-eremitério.

* Felicidade? Escamugiu-se... escorcemelou-se... fez víspere... tingou-se... fez-se à malta, se foi em retirada me deixando de herança riquíssimo vocabulário.

* Eu? Escondo-me atrás dos vocábulos: desconsolo é pedra de toque, profissão de fé dela, minha literatura. Mas, diacho, sempre que vejo criança abandonada dormindo na rua fico constrangido esquivoso comigo mesmo pensando ato contínuo na superfluidade das sutilezas e do caráter quase sempre ambíguo deles, meus textos ficcionais. Em vez de escritor autônomo, autômato – sou sim. Modéstia à parte vivo sempre insatisfeito comigo mesmo. Sim: vida toda num breu daqueles – luzinha de vaga-lume qualquer já me ajudaria tatear lado obscuro das coisas. Sim: escrevo par domesticar quietude. Tomara minhas lágrimas deságuem no rio Letes.

            Não tive nenhum prazer em conhecê-los é um livro tóxico, o leitor não poderá ler mais de quatro ou cinco  páginas em sequência, precisa fechar o livro, respirar fundo, abri-lo horas depois ou até mesmo no dia seguinte, e continuar a leitura. Mas não conseguirá deixar de lê-lo.
            Surge um novo estilo na literatura brasileira. Não se trata de leitura fácil, porém inegavelmente atinge o poético.
    Haverá quem goste, haverá quem não goste. Não custa experimentar, a surpresa espreita.


Floresta de van Gogh

Meus quadros favoritos


van Gogh

Paula seus amigos






Fotos: Paula Vianna, out 2017, Grande Barreira de Corais, Austrália



Fotoabstração N.23