A restrição ao número de horas de trabalho dos residentes significa que eles acumulam menos experiência com operações
Foto: Michael Buholzer/Reuters
A reportagem é de Kate Murphy, para The New York Times (10 jun 2019), e traz o título Brincadeiras infantis podem ajudar na formação de cirurgiões. A despeito de estar aposentado, o assunto me cativou! Explico.
Estudos em faculdades de medicina dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha revelaram queda na destreza manual de estudantes e médicos residentes. “Alguns dizem que o problema é o menor número de cursos práticos e manuais nos ensinos fundamental e médio – artesanato, desenho e música. Outros dizem que a culpa é do tempo excessivo deslizando os dedos sobre telas em vez de desempenhando atividades que ajudem a desenvolver o controle motor fino, como a costura.”
Robert Spetzler, neurocirurgião, disse ter desenvolvido a destreza ao tocar piano quando criança e ao realizar cirurgias em ratos-do-deserto no ensino médio. "Quanto mais cedo começamos a nos dedicar a tarefas físicas e repetitivas, mais aprofundado e instintivo se torna o desenvolvimento das habilidades motoras", disse ele.
“Estudos revelam que, quanto maior o número de procedimentos realizados por um cirurgião, maior a probabilidade de sobrevivência de seus pacientes.
Atenção para esta informação: “A introdução do limite máximo de carga horária de 80 horas semanais para os cursos de medicina dos EUA em 2003 teve como consequência indesejada limitar a disponibilidade dos residentes de cirurgia de participar das operações.” "Quando estava me formando, por bem ou por mal, eu trabalhava cerca de 120 horas por semana", disse Thomas Scalea, cirurgião e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, em Baltimore. "Hoje, os estudantes concluem suas residências com cerca de 900 casos operatórios. Eu tinha quase o dobro disso".
“Maria Siemionow, cirurgiã especializada em transplantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois, em Chicago, passava horas, na juventude, recortando fotos de revistas e criando colagens. Além de desenvolverem a destreza, segundo ela, atividades como essa também exigem uma imaginação tridimensional, planejamento, paciência e precisão.”
“Maria acredita que os estudantes podem aprender a ser grandes cirurgiões, mas precisam de algumas habilidades como pré-requisito.” "Analisamos as médias deles e suas notas nas provas, sua produtividade na pesquisa e na autoria de estudos, mas, na realidade, ser um bom cirurgião nada tem a ver com esses pontos", explicou Michael Lawton, sucessor de Spetzler no Instituto Neurológico Barrow. "O mais importante é seu manuseio dos instrumentos e sua maneira de lidar com os tecidos, bem como sua reação e capacidade de adaptação sob estresse".
Participei durante muitos anos de provas de seleção para médicos residentes de Cirurgia na Universidade de Brasília e não me lembro de ter avaliado as habilidades dos candidatos, o que na prática seria bem difícil. No máximo, olhava para ver se o gajo tinha as duas mãos. (Com o passar do tempo as mulheres se apresentaram como candidatas.) Também por isso a reportagem acima despertou tanto interesse.
Há um outro motivo, entretanto, mais forte e que me trouxe gratas lembranças. Eu não tinha mais que 7 anos de idade quando minha mãe me pediu para fazer uma limpeza e lubrificar a máquina de costura dela, da famosíssima marca Singer. Na época foi um grande desafio, cumprido com tanta eficiência, que todo ano o expediente se repetia. O menino ouvia os elogios, que não eram poucos, com enorme satisfação (nossos pais jamais foram pródigos em elogios).
Até que certa feita a mãe vaticinou, Quando crescer você vai ser cirurgião! Ao que respondi, Eu não! Minha negativa não funcionou. As negativas nunca funcionam, apenas reafirmam.