Posso afirmar que minha experiência como cirurgião
auxiliou-me em pelo menos um aspecto, o de discernir entre o conceito de cura
em Psicanálise e em Cirurgia. Uma vesícula doente, eu a retirava e pronto, o
paciente estava curado. Um apêndice supurado, ameaça real de peritonite e
morte, podia ser removido através de pequena incisão: paciente curado.
Nada
disso poderia ocorrer em Psicanálise.
É disso
que trata a crônica de hoje de Francisco Daudt na Folha de S. Paulo. Porém, ele
chama a atenção para o exagero dos psicanalistas atuais em desprezarem
completamente a possibilidade de cura de seus pacientes:
“grande parte dos psicanalistas atuais desdenham da cura,
como se ela fosse uma coisa menor e desprezível. Um lacaniano conceituado com
formação na França me contou que ouviu uma de suas colegas de linha teórica
afirmar num congresso: "A finalidade terapêutica corrompe a
psicanálise".
Daudt
descreve com propriedade sobre o significado da cura:
“Vamos
pensar no conceito de cura: curar é eliminar o mal, mas também é cuidar, é
atenuar o sofrimento, é conduzir para o bem. O curador de menores faz isso, ele
cuida e orienta, não extirpa doença. Curar é, portanto, tratar, é a finalidade
terapêutica, a tal que estava amaldiçoada pela psicanalista lacaniana. Agora,
um psicanalista não pode buscar uma cura parecida com a que o cirurgião faz
quando retira um apêndice inflamado. Não, nós lidamos com tecido nobre: a
memória e o desejo.”
Prossegue Daudt,
resumindo o que se espera do processo psicanalítico em termos de cura:
“A cura
psicanalítica consiste em desentranhar a memória e o desejo do cliente das
invasões bárbaras que sua vida sofreu como resultado de uma criação
incompetente, aquilo a que Freud deu o nome de Complexo de Édipo. Um cuidadoso
e árduo trabalho – que parece arqueologia – vai tornando consciente para ele o
que é seu, o que lhe pertence, e o que é problema de quem o criou, e que ele
até então carregava como seu, de modo a que ele se torne dono de sua vida e de
seu destino.”
A ideia de que o
analisando, ao “término” de sua análise (não há espaço aqui para uma discussão
aprofundada sobre o que significa término de uma análise) possa transformar-se
em analista de si mesmo, e portanto mais bem aparelhado para enfrentar as
frustrações do cotidiano, também é expressa por Daudt.
Enfim, a Psicanálise
sempre em foco!