(Peço encarecidamente ao leitor deste blogue que leia primeiro (caso ainda não tenha feito) as postagens anteriores a esta, Suzete em apuros, e a Reviravolta no Caso do Assassinato no Salão de Beleza, para depois sim, ler a presente A bruxa de A.)
A hipótese
levantada por Dr. Wellington, o inspetor, ganhou força quando encontraram
frasco com arsênio, em meio a enorme quantidade de substâncias as mais
diversas, na casa de Margarida. Também Suzete havia proposto a tese da
cabeleireira estranha, mulher calada, de muito pouca conversa, possível
suspeita.
A batida em casa de Margarida foi
ordenada pelo delegado Arturo, sugestão de Wellington. (Para surpresa geral,
ambos os policiais desenvolveram parceria exuberante, verdadeira amizade, ou
mais que isso, nascida ao longo da investigação, contrariando o que se vê no
cinema, nos filmes ditos policiais, em que há rivalidade explícita entre agentes
do FBI e da Polícia Estadual. Nas horas de folga saiam para beber, comiam em
restaurantes modestos, eu diria que românticos, a tal ponto que as
maledicências proliferaram. Dava gosto vê-los juntos, discutindo
particularidades do crime, aventando hipóteses.)
Margarida recebera a alcunha de
bruxa e não foi de graça; a casa dela mais parecia um laboratório de misteriosos
experimentos. Até sapos imersos em vidros de formol havia, além de aranhas
caranguejeiras, percevejos, caranguejos, pererecas, minhocas gigantes, lagartas
de todos os tipos, pequenas cobras verdes, coloridas, venenosas e não
venenosas, tudo muito bem acondicionado por gente que entendia do assunto. Para
que aquilo tudo servia, não se sabe. Os supersticiosos chamavam-na de bruxa.
Faltava, porém, a ligação entre
Margarida e os possíveis comparsas, ainda não identificados pela polícia.
Também não havia qualquer ligação entre ela e Edson Maranhão, vulgo Socó, o
homem encontrado estirado na cadeira de Suzete, com uma tesoura cravada na
virilha. O que havia eram muitas coincidências, filósofo da criminalística, afirmava
Dr. Wellington Marins, com a aprovação de Arturo de Barros.
O povo da cidade de A.,
açodadamente, pedia a cabeça de Margarida, mulher, calada, estranha, dona de
laboratório suspeito, ela mesma suspeita de bruxaria. A Idade Média revivia em
A.
A conversa que tive com Suzete
levava a motivação do crime para outra direção:
–
E o que o tal Socó faz na vida, Suzete?
–
Traficante de drogas.
–
Bem, já é meio caminho para morte violenta, não é mesmo?
–
Se é! Parece que nenhuma das meninas do salão teve contato com ele, nem mesmo
Margarida.
–
Pegou a droga e não pagou...
–
No meu ponto de vista trata-se de ajuste de contas.
–
E por que no salão de beleza, e ainda por cima na sua cadeira, Suzete?
–
O crime foi cometido à noite. A porta do salão não é difícil de ser arrombada.
O lugar é sossegado, adequado para o tal ajuste de contas, e por isso não houve
testemunhas.
–
E a cabeça raspada pela metade, a orelha cortada...?
–
Não há respostas para todas essas perguntas, incluindo o achado de arsênio. Ao
que tudo indica, o assassino, mesmo não sendo cabeleireiro, sabia manejar a
tesoura, coisa nada difícil, convenhamos, e conhecia a localização precisa da
artéria femoral.
–
Então vocês estão aliviadas?
–
Acho que sim.
Suzete não parecia assim tão segura
de si, não havia convicção em suas respostas. A investigação prosseguia.
Wellington e Arturo, inseparáveis, empenhadíssimos na solução do enigma
amplamente conhecido como o Assassinato no Salão de Beleza.
A vizinhança de Margarida foi
minuciosamente vasculhada. Até que uma das vizinhas resolveu dar com a língua
nos dentes: ela vira Edson Maranhão, dito Socó, entrar e sair várias vezes da
casa de Margarida, altas horas da noite. Pela manhã bem cedo, despediam-se aos
beijos, afirmou categórica dona Zulmira, vizinha de porta. “Eram namorados, com
certeza.”
Dr. Wellington não pestanejou, pediu
a prisão preventiva de Margarida, apoiado pelos métodos da Lava Jato. A bruxa,
que não esperava por essa, descompensou, teve um ataque de nervos ao entrar no
camburão, outro ao ser empurrada para a cela gelada, na companhia de ratos e
baratas. Foi nesse ponto dos acontecimentos que entrou a expertise (jamais
poderia imaginar que um dia me utilizaria desta palavra em algum texto meu!) de
Wellington Marins: o interrogatório!
O inspetor era implacável,
incansável, determinado, obstinado, criativo, verdadeiro virtuose na arte de
extrair qualquer segredo do interrogando, sem uso da força física,
naturalmente. A tormenta era tão somente psicológica, e que tormenta! A coisa
piorou para Margarida quando Arturo, que ainda se dedicava a explorar o bairro
onde ela morava, descobriu que dois comparsas na execução do crime eram primos
da bruxa, ambos residentes em A. Ela não teve outro jeito senão confessar o
crime.
De fato, ela acreditava no efeito
mortal agudo do arsênio. Como Socó não sucumbiu ao veneno, o remédio foi
segurá-lo à força pelos dois capangas, enquanto a própria Margarida
aplicava-lhe a fatal tesourada na virilha, com habilidade no manejo da tesoura
digna de uma boa cabeleireira. Enquanto o homem era exsanguinado, um dos
marginais brincava de barbeiro, raspando-lhe a cabeça com máquina zero,
operação interrompida pela metade com o advento da morte, quando fugiram todos.
–
E por que na cadeira da senhora Suzete, perguntou Wellington?
–
Porque Edson andava arrastando asa pra cima de Suzete ultimamente, respondeu
Margaria, com expressão de ciúme, filho do ódio.
Por
esta ninguém esperava; eu, menos ainda. Suzete negou qualquer participação sua
no triângulo amoroso, porém nem todos se convenceram. (A agitação dela, a
permanente e exagerada angústia durante todo o desenrolar das investigações,
sei não...)
Agora
começava a caçada aos primos de Margarida. Voltei para casa, dando o caso por
encerrado. Na minha partida, recebi efusivos agradecimentos de Suzete:
– Desejo agradecer-lhe mais uma vez
pelo apoio que me deu, André. Foram dias de muita angústia e sua presença fez
toda a diferença para mim. Sou-lhe imensamente grata. Que Deus lhe pague, pois
eu mesma jamais poderei pagar esta dívida.
O salão foi reaberto, a vida
prosseguiu. Pelo sim, pelo não, Suzete resolveu trocar de cadeira.
Algo
de bom sempre pode surgir da mais negra tragédia (nem Shakespeare foi capaz de
elaborar afirmação deste quilate): Arturo e Wellington mudaram-se para São
Paulo, alugaram confortável apartamento nos Jardins, vivem felizes, feitos um
para o outro.