Folhetim
Segundo encontro
Clarice saiu do encontro ensimesmada, Estranho esse professor Tobias, tão famosa essa oficina dele, caríssima, eu vim de tão longe tendo que me hospedar em casa de amiga aqui em São Paulo, cidade que me assusta um pouco, verdadeiro transtorno, durante 15 dias, imagine, e ele me vem com essa história de repetir palavras! Mas vamos lá.
Os trabalhos da oficina começam às 9 horas da manhã, com sol ou chuva, e se desenrolam até o meio-dia. O restante do dia deve ser ocupado com a redação do texto solicitado, seguida de autocrítica, alguma leitura recomendada. Quem não apresentar o texto pela segunda vez é sumariamente desligado da oficina, sem restituição do valor da inscrição, tudo assentado em contrato.
Faltando 10 minutos para as 9 horas todo o grupo está a postos em espaçosa sala de antigo prédio localizado na Av. Paulista, com metrô à porta. Há uma pequena copa anexa, com máquina de café expresso, geladeira, para quem desejar trazer um lanche, Não há intervalo, avisa Tobias, Todos são livres para se levantar, beber água, comer alguma coisa, ir ao banheiro, não precisam pedir licença, apenas não façam escarcéu. O lugar é agradável, claro, arejado, com grande lousa ocupando toda a largura da sala, com caixa de giz de variadas cores e apagador, tudo à moda antiga, nada de tecnologia.
Às 9 em ponto chega Tobias, Bom dia a todos, algum voluntário para apresentar seu texto? diga seu nome, por favor.
Clarice, de São Carlos, e ela lê pausadamente:
“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Assim que saí ontem de nosso primeiro encontro pensei que havia feito um mau negócio, me despencando de Goiânia, onde nasci, para frequentar esta oficina: o professor é doido. Que história é essa de repetir palavras? Até que me lembrei de Drummond e da pedra no meio do caminho, quatro versos e quatro vezes pedra, quatro vezes uma, quatro vezes tinha, três vezes caminho, três vezes no meio. Removi a pedra e ficou mais fácil escrever este texto.
De fato, quando escrevo, eu tenho repetido, porém repetido equívocos...”
Clarice terminou de ler as três páginas manuscritas com as seguintes palavras: “Estou mais animada hoje: Tobias não é doido!”
Clarice foi aplaudidíssima, inclusive por Tobias, Comentários por favor, comentem com toda a liberdade, acrescentou ele. Josíres foi o primeiro a levantar o braço, Amei amei amei... e a gargalhada foi geral!
O segundo encontro transcorreu em clima animado, muita gente querendo falar ao mesmo tempo, só elogios para Clarice, ao que Tobias observou, Elogio tão somente alimenta a Vaidade, pecado capital, nada acrescenta de novo, em nada ajuda àquele que veio aqui para aprender, assim sendo, alguém disposto a alguma crítica? vejam, toda crítica é construtiva, não existe crítica destrutiva, o problema é de quem ouve a crítica, como a toma, se referente ao texto ou ao próprio ego. Tobias gostava de ouvir a própria voz, via-se e ouvia-se.
Ricardo, perto dos 40, engenheiro químico, residente em Florianópolis, ensaiou alguma coisa estimulado pela exortação de Tobias, mas não foi levado a sério. Ana Paula, que desde o encontro anterior não fora com a cara de Ricardo quando este se apresentou ao grupo, aproveitou e desceu a lenha na crítica feita por ele; para arrematar, elogiou Clarice.
Apenas uma morena em seus 30 anos, bonita de rosto e de corpo, sentada ao fundo da sala, não se manifestou uma vez sequer, cruzando e descruzando as belas penas de vez em quando.
Ao sair, entreguem seus textos, que serão devolvidos amanhã com minhas observações, anunciou Tobias. Para o encontro de amanhã, experimentem escrever sem vírgulas; porém com correção gramatical. Experimentem escrever num fôlego só mas se a pausa for inevitável, usem vírgula.
(A bela morena não entregou qualquer texto.)
Até amanhã. Tenham uma boa tarde.