O conceituadíssimo
historiador e cientista político Boris Fausto, 84, autor da História
do Brasil, acaba de publicar O brilho
do bronze – um diário (Cosacnaify, 2014), uma escrita sobre o luto, após a
morte da esposa Cynira em junho de 2010, com quem esteve casado por 40 anos.
Como convém a um diário (a edição é simples,
mas bem cuidada, sóbria, com a primeira orelha estendida, “fechando” o volume ao ser
dobrada sobre a contracapa), os textos são curtos, datados, descrevendo o
cotidiano solitário de um homem inteligente, culto, sensível, que procura
preencher seus dias de aposentado e aplacar a dor da ausência da esposa tão
querida.
São conversas de taxi, viagens a
cidades do interior, outras ao exterior, afetuosos encontros com os dois
filhos, com raros amigos, com algumas mulheres bonitas, relatos de sonhos (o
autor faz análise com a antiga terapeuta da esposa), observações bem humoradas
sobre o cotidiano da cidade grande, comentários apaixonados sobre o Corinthians, e sobretudo visitas ao cemitério, muitas
visitas. No cemitério do Morumbi estão enterrados o pai e a esposa, cujos nomes
estão gravados numa lápide de bronze – daí o título do livro.
A escrita é fluente, coloquial,
elegante, intimista, de quem realmente deseja compartilhar sua dor com o leitor
amigo. Leitura agradável, a despeito da melancolia presente na maioria dos
textos.
Voltemos, entretanto, a uma espécie
de prólogo, onde Fausto explica a razão do diário: “Confesso que realizei um
desejo inconsciente: redimir-me da culpa pelo desaparecimento do diário de um
jovem quase menino com a publicação de outro, escrito por um senhor de idade”.
Isso mesmo, ele decidiu escrever um
diário aos 15 anos, e após alguns meses jogou-o no lixo (como faz a esmagadora
maioria dos adolescentes que decidem escrever um diário). Sessenta anos depois,
com a morte da esposa, resolve escrever um novo diário, e diz que foi por
culpa, por ter desprezado os escritos do adolescente.
Este ilustre senhor me perdoe (e
também sua analista), mas esta é a justificativa mais inverossímil que ele
poderia apresentar ao leitor.
A certeza não posso ter, nem a
desejo, por impossível, mas penso que Fausto decidiu escrever por dois motivos:
primeiro, porque é um escritor; segundo, para ajudá-lo a vivenciar e superar o
luto. Tão simples isso! Mas ele não faz uma referência sequer a esta
possibilidade em todo o livro.
Minha ideia baseia-se no fato de que
o ato da escrita pode ser terapêutico, ainda mais nessas circunstâncias. E para
Fausto, a coisa ficaria mais fácil,
porque ele sempre foi um escritor. Talvez por isso mesmo não tenha feito
qualquer referência à função terapêutica da escrita em seu diário. O que é uma
pena, penso eu.
Mas há uma outra possibilidade: o
autor, homem inteligente, culto, sensível, sabe disso, tem consciência disso, concorda
com isso, mas preferiu não tornar pública esta ideia, valorizando a literatura
do gênero memorialístico em si mesma. Por que ele faria isso, não posso
imaginar; deve ter tido suas razões.