Poeta em seu apartamento no Rio de Janeiro, em 1992
Foto: Carlos Chicarino/Estadão
O MAR E O CANAVIAL
O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.
*
O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.
João Cabral de Melo Neto
A educação pela pedra (1962-1965)
João Cabral, o escritor pernambucano que acreditava no extenuante trabalho com a palavra para compor sua poesia, em vez de utilizar-se da inspiração, será festejado ao longo de todo o ano de 2020, a partir desta quinta-feira, quando é lembrado o centenário de seu nascimento (ele morreu em 1999, aos 79 anos).