Arquimedes recebeu
importante prêmio literário pelo último romance – Um vento ao cair da noite – e pelo conjunto da obra, acompanhado de
significante quantia em dinheiro, o que lhe interessou sobremaneira, tendo em
vista a pindaíba em que se encontrava. Um obstáculo apenas: haveria uma
recepção de gala, com direito a champanhe e muitos convidados, discursos e
tapinhas nas costas, coisas que Arquimedes não tolerava. Para falar a verdade,
ele odiava tais rapapés e salamaleques. Mas pelo dinheiro...
Iria ao encontro, porém deixaria sua marca, pensou. No
dia e hora marcados, impecavelmente vestido de garçom, terninho preto de tecido
ralo, camisa branca mal passada, gravata borboleta, um lencinho igualmente
preto em forma de triângulo amarrado na cabeça, sapato social, Arquimedes era o
garçom perfeito. Deixou seu carro a um quarteirão de distância, cruzou o extenso
e exuberante jardim do casarão, entrou pela cozinha, foi logo pegando um guardanapo
branco que dependurou no antebraço direito, tomou de uma bandeja de salgadinhos
e passeou pelo salão como quem dança num baile de gala.
A primeira reação de Arquimedes foi de espanto, ao ver
que passava incólume pelo mar de convidados e ninguém olhava no seu rosto;
poderia passear pelo salão durante horas e jamais seria reconhecido, pois os
olhares eram dirigidos exclusivamente para a bandeja que segurava. Mesmo
aqueles que agradeciam pelo salgado não olhavam para sua cara. Devo ser
invisível, pensou.
Mas esta ideia foi prontamente desfeita, da maneira mais
violenta possível, quando um dos convidados, antigo conhecido de Arquimedes, sabidamente
grosseirão e já tocado pelo uísque, jogou-lhe na cara – paradoxalmente, pois
nem o olhou na cara:
– Vê se traz um salgado que preste, porra!
Agora não foi espanto, foi um baita susto! Arquimedes
quase derrubou a bandeja de rissoles, balbuciou algo ininteligível,
escafedeu-se para o interior da enorme cozinha. Melhor parar por aqui, acho que
está de bom tamanho, pensou.
Minutos depois, feliz coincidência, o dono da casa e
patrocinador do evento, Dr. Júlio de Freitas, incomodado com a demora de
Arquimedes – sujeito esquisito e dado a faltar aos compromissos –, nervoso, pois
empanturrava-se de rissoles servidos por um certo garçom ao qual não olhava nos
olhos, apenas servia-se, bebericando sua champanhe, Dr. Júlio resolveu fazer o
brinde da noite ao ilustre convidado.
O anfitrião reuniu os convidados e anunciou oficialmente
que Arquimedes tivera um contratempo e que não poderia comparecer à recepção. A
consternação foi geral, porém aqueles que conheciam melhor o homenageado não se
surpreenderam com o fato, apenas lamentaram. Terminada a lamúria, Dr. Júlio
informou que a festa teria prosseguimento, mesmo na ausência de Arquimedes, que
os convidados se divertissem, era o que lhes restava fazer.
Ouviu-se então o tilintar de uma taça de cristal, alguém
batia-lhe com uma faca à guisa de campainha, chamando a atenção de todos no
centro do salão. Era Arquimedes, para estupefação geral! Como havia retirado o
lenço preto da cabeça, foi logo reconhecido. Depois dos óóóhs! e aaahs, pediu
silêncio; demorou a ser atendido, muitos queriam abraçá-lo, ele esquivava-se,
tornava a pedir silêncio, e quando o silêncio se fez, Arquimedes anunciou que
faria um discurso, ao que foi aplaudidíssimo. Os convidados não imaginavam o
que lhes esperava.
Arquimedes falou durante duas horas e quarenta minutos sobre a invisibilidade dos garçons e anunciou que este seria o tema de seu próximo livro. Impacientes e constrangidos, todos ouviram em silêncio. Fim de festa.
Arquimedes falou durante duas horas e quarenta minutos sobre a invisibilidade dos garçons e anunciou que este seria o tema de seu próximo livro. Impacientes e constrangidos, todos ouviram em silêncio. Fim de festa.