sábado, 12 de novembro de 2016

O que não dizer à pessoa com câncer

Com o título Seis coisas que você não deve dizer a uma pessoa com câncer, a reportagem de Silvia C. Carpallo para El País (10 NOV 2016) merece elogios, pelo seu caráter educativo e alcance social. Em parte é reproduzido aqui, com alguns comentários deste blogueiro, que já tratou do tema exaustivamente no Loucoporcachorros.
            A palavra câncer continua assustando, a despeito de um grande esforço para que o assunto possa ser tratado com mais naturalidade. Campanhas específicas e depoimentos de pessoas conhecidas, falando abertamente sobre a doença e divulgados pela mídia, têm ajudado.
O apoio psicológico é sempre bem-vindo, especialmente quando parte do ambiente familiar e social. Todos estão dispostos a ajudar, porém nem sempre da maneira mais adequada.
Eis algumas das frases que devem ser evitadas diante da pessoa com câncer, segundo o artigo de Carpallo, e com as quais concordo plenamente:

1. “Não se preocupe, não vai acontecer nada”.

A incerteza sobre a evolução da doença, os efeitos colaterais dos tratamentos, tudo isso impede uma afirmação definitivamente otimista. O paciente não vai acreditar em tais palavras e possivelmente ficará irritado com elas. E frustrado, quando a evolução for desfavorável.

2. “Você tem que aceitar receber ajuda”.

“Frases do tipo: “Você tem que falar com alguém”; “tem que desabafar”; “você tem que parar de trabalhar; “você tem que pedir ajuda”; ou qualquer outra que comece com “você tem que...”, só geram insegurança no paciente. A ajuda deve ser oferecida, não imposta.”
“Quando uma pessoa é diagnosticada com câncer, não se transforma em outra pessoa, continua sendo ela, com sua capacidade de pensar, de tomar decisões e saber o que quer e o que não quer fazer”.
A expressão “tem que” nunca funciona. O sermão nunca funciona.

3. "Se você for positivo, vai se curar".

 “Existe uma tendência muito enraizada de pensar que a atitude que o paciente tenha durante a doença irá determinar o progresso da mesma. Portanto, é muito normal que os pacientes ouçam frases como: “Você tem que ser forte e lutar”; “você tem que ser positivo”; sua atitude faz parte da cura”; “você vai ver como tudo vai correr bem, mas depende de você”; “se estiver desanimado, a doença perceberá isso” etc. Tais comentários geram uma enorme pressão sobre o paciente, que não consegue estar sempre feliz e positivo, já que o “normal é ter medo, tristeza, raiva e desesperança, de modo que a imposição do positivismo só gera um sentimento adicional de culpa”.
Eu acrescento: com frequência o “conselho” é acompanhado da palavra “energia”: você precisa ter energia positiva! Não se sabe que energia é esta. Mais um desconhecimento, outra incerteza, que apenas aumentam a angústia do paciente.

4. “É a pior coisa que poderia acontecer com você.

“Há pessoas que confundem drama com empatia e pensam que o paciente se sente acompanhado e compreendido diante de expressões como: “Que horror passar por isso”’; “é a pior coisa que poderia acontecer com você”; “o câncer, já se sabe...”; “sua família deve estar arrasada”.
Se o otimismo exagerado não ajuda, o pessimismo alardeado também não.

5. “Não diga isso”.

Não se deve tentar impor ao outro o que ele deve dizer, pensar ou sentir.
Expressões como “não chore, você tem que ver a parte boa”; '”não diga isso, porque sua família tem de vê-lo bem; “você tem que estar feliz, porque foi diagnosticado a tempo”, além de inúteis, agravam a angústia do paciente, impedido de manifestar suas próprias emoções.
Respeite o outro.

6. “Aconteceu o mesmo com minha tia”.

“Comparar a situação do paciente com a de outras pode ser muito contraproducente, uma vez que cada caso é completamente diferente. O paciente sabe disso e não é capaz de se identificar com outros casos.”
Cada um sente sua própria experiência como um acontecimento único.

Uma boa orientação nesses casos é falar menos e ouvir mais. A pessoa com câncer e angustiada precisa falar, muito mais que ouvir. Além disso, ela é quem sabe de sua própria condição, e não aquele que chega bem intencionado, porém despreparado para lidar com a situação.




Fundo do poço?

Charge do dia


Autor: Mickey Burton

quieta madrugada


quieta madrugada
latidos de cães distantes
os sons da infância

Ouvir o silêncio



Com enorme prazer comparecemos há dois dias ao lançamento do livro de haicais – Ouvir o silêncio – de Carlos Viegas (Editora Araucária Cultural, 2016). O livro sugere intimidade, pede intimidade, e então não devo tratar o autor por Professor Doutor Carlos Viegas, mas apenas Viegas, nosso amigo.
            Ele tem ganho inúmeros prêmios nos concursos de haicais que participa. Tornou-se um especialista.
Vejamos uma pequena amostra:

alta madrugada –
percebo, muito ao longe
um namoro de gatos


silêncio quebrado
uma andorinha perdida
voa pelo tempo


calorão à tarde
vou pelas poças d’água
com os pés descalços


é só algazarra
o revoar das jandaias –
alegria no céu

            Sensibilidade e técnica para o haicai – dois elementos fundamentais para esse tipo de poesia – estão presentes no belo livro de Viegas. Como manda a regra mais primitiva, original, no livro os haicais não têm título, o que acaba por acentuar a mensagem de cada poema.
            Parabéns, caro Viegas.


            Presentes no lançamento, a começar pela esquerda: Viegas, Mercêdes, o Louco, Neuton e Leopoldo.