Em excelente crônica intitulada O voo e o ninho, para
a Folha de S. Paulo (08/06/2016),
Francisco
Daudt escreveu:
“O destino de um
pássaro é voar, está em seus genes. Mas, para voar ele precisa do ninho. O
ninho o protege, aquece e alimenta enquanto suas penas não crescem, suas
habilidades de voo não se desenvolvem. Se o ninho o expulsa precocemente, ele
se estatela no chão e morre. Mas, se o ninho o prende além da conta, ele não
aprende a voar, ele fica restrito àquele casulo, ele não cumpre seu destino.”
Prossegue o conhecido
psicanalista afirmando que o mesmo ocorre com o ser humano, que precisa de amor,
tanto quanto do alimento físico para sobreviver, em busca de independência e
autonomia.
E conclui Daudt:
“... sim, nós
botaremos filhos no mundo. Agora, daí a ter habilidade e competência para levar
bem o equilíbrio entre ninho e voo, ah, isso é outra conversa.
Criar filhos é a
profissão mais difícil que existe. Como ela é universalmente adotada, seja com
talento e vocação, seja sem – o que é mais frequente –, o que acontece é que
somos resultado de um show de incompetências. Uns pássaros ora aleijados, ora
estropiados, de voo capenga, passando as incompetências de geração em geração.”
Desejo dar continuidade a esta analogia proposta por
Daudt, afirmando que uma das mais perversas (e frequentes) consequências da
desastrada criação dos filhos, é o que chamo de Síndrome da Gaiola.
A ausência do desenvolvimento de autonomia psíquica
(incapacidade de pensar por si próprio) arrasta-se inevitavelmente pela vida
adulta. Não é raro que o casamento constitua o prolongamento desta situação de
dependência, a acarretar a infelicidade do casal: ruim para quem depende, ruim
para quem assume o papel de “protetor” (pai).
O pássaro permanece preso na gaiola. Um certo dia,
ele, de tanto sofrimento, procura ajuda, busca uma terapia. Depois de muito
trabalho, ambos conseguem abrir a porta da gaiola, mas para espanto do
terapeuta, o pássaro não busca a liberdade, já não sabe voar. E permanece preso
indefinidamente.
O mais trágico dessa história, assinala Daudt, é que
há grande possibilidade de que este aprisionamento psíquico seja transmitido
aos filhos, pois trata-se do único modelo conhecido pelo prisioneiro – e só se
dá aquilo que se tem.
Criar filhos é mesmo a tarefa mais difícil do mundo.
Foto: A.Vianna, mai 2016, Paris.