Morava em Londres fazia poucos meses, nos idos de 1980, quando comprei uma máquina fotográfica Minolta, último modelo, foco automático – uma novidade à época. Comprei no impulso, sem pensar e com o dinheiro que eu não tinha. Uma extravagância! E saí fotografando tudo, gente, parques, gramados intermináveis, paisagens, muros cobertos de hera, árvores, cães, monumentos, ruas vazias e ruas repletas de gente, obras de arte, a arquitetura repetitiva e sem imaginação dos bairros mais pobres da cidade, fachadas imponentes de museus, tudo que impressionava minhas retinas estrangeiras eu fotografava.
Filmes coloridos Kodak eram baratos, a revelação mais ainda. Na Unidade de Fígado em que eu trabalhava, no King`s College Hospital, na tentativa de me comunicar, mostrava minhas fotografias a quem cruzasse meu caminho. Elas faziam sucesso em meio a um ambiente emocionalmente muito pobre; eram todos inteligentíssimos, cientistas de ponta, emocionalmente pobríssimos. Eu, exótico, meio doido, gritava com minhas fotografias.
De início não percebi do que se tratava; com certeza eles também não sabiam. Até que atinei, era por causa da minha sofrível comunicação verbal; todos os pesquisadores estrangeiros que chegavam à Unidade, falando mal a língua nativa, eram vistos como deficientes mentais, eu inclusive. A sensação era de menos valia, bem desagradável para dizer o mínimo. A única saída era a produção científica, só então a pessoa mereceria respeito daquela comunidade. Enquanto eu não produzia nada, falava através das imagens.
Agora, passados quase 40 anos, quando a dificuldade de comunicação volta a atormentar (as razões são outras, o resultado é o mesmo), quando a “poda neuronal” torna-se implacável, volto a me comunicar nesse blog através da fotografia.
São passarinhos, gatos, flores, o jardim, as árvores, a fonte, sobretudo meus cães que afetuosamente falam por mim; é o fotominimalismo que procura reduzir o ruído; é a fotoabstração que tenta preservar a capacidade de fantasiar; a análise de uma boa fotografia é exercício para o espírito; meus quadros prediletos propiciam o lugar da arte.
Até quando haverá de permanecer em mim a necessidade de comunicação com o outro?