O irmão nos visita duas vezes ao ano; esteve aqui em
janeiro, volta agora em novembro. É sempre uma grande festa a presença dele em
nossa casa.
Os
preparativos têm início com pelo menos duas semanas de antecedência, quando o
cardápio é cuidadosamente escolhido, levando-se em conta, naturalmente, os
gostos do visitante: pouca carne vermelha, abundantes frutos do mar.
Que
filme vamos ver? Converso sobre isso com o irmão com certa antecedência, para
providenciar o filme que agrade.
O
pior é expectativa de que alguma coisa não dê certo e que ele não venha. (Já
aconteceu antes!) Problemas ligados às atividades médicas dele, imprevistos
familiares, mudanças de voo, outras intempéries podem obstruir nossa
felicidade, daí a apreensão com que esperamos pelo Dia P, o dia que ele chega.
Saio
de casa com duas horas de antecedência para esperar pelo visitante no
aeroporto. Será que o voo vai atrasar?
Enfim,
chega o ilustre e queridíssimo irmão! E recebe um “abraço de aeroporto”. (Aqui
interrompo a crônica para explicar o significado de “abraço de aeroporto. Anos
atrás, volto ao Brasil após exílio; morei em Londres e foi então que conheci o
amigo Sergio – amigo à primeira vista – e que regressou antes de mim. Pois ao
desembarcar no Rio de Janeiro, lá estava o Sergio; tomou um ônibus em São
Carlos, viajou 7 ou 8 horas, deu-me um forte longo amoroso apertado abraço,
pegou outro ônibus, viajou por mais 7 ou 8 horas até chegar em casa, feliz, com
a sensação de missão cumprida. A isso chamo de abraço de aeroporto.)
Pois trocamos, eu e o irmão, um abraço
do gênero, e a conversa tem início.
Em casa, espera-o um bom champanhe,
seguido de saboroso jantar preparado por Mercêdes, chef conhecida na cidade, na
família e entre nossos amigos. A
conversa continua, ainda mais animada! Sobremesa, porto, café, drambuie, muita
conversa, até que o velho hospedeiro deixa-se vencer pelo cansaço e pelo sono e
vamos todos dormir, felizes e em paz.
O
café da manhã é muito animado! Pamonha frita foi a surpresa da vez, uma
delícia. As frutas, nem se fala. Café de bule, café de máquina, e muita
conversa, ao som dos sabiás. Ah!, invariavelmente, o Réquiem de Mozart enche a
casa de música.
Lá
pelas tantas, pára tudo: hora dos exercícios diários do visitante, com 50
minutos de duração. (Fico cansado só de olhar.)
Chega
a hora dos drinques: porto, uísque, cachada de Salinas, gim-tônica temperado
com zimbro, caipirinha, dry martini, a gosto da freguesia. São abrideiras, como
se diz em Portugal, enquanto o almoço não é servido.
Os
almoços constituem sempre um festival gastronômico, como diz a Ciça, preparados
com esmero por nossa chef; dessa vez tivemos tambaqui assado, leitoa pururuca
acompanhada de farofa de ovos (com a animada presença da Ciça e Arthur,
registro efetuado pelo irmão e sua nova máquina fotográfica!), polvo na brasa,
torta de siri; o ponto alto entre as sobremesas foi o queijo da Serra da
Estrela, acompanhando doce de banana caseiro. Os vinhos, brancos e tintos,
alegram ainda mais a mesa, estimulando a conversa. A sesta é obrigatória.
No
início da noite sempre há um bom filme, daqueles que provocam boas discussões, Gostei,
Não gostei, isso, aquilo, mais conversa noite adentro. Em certas tardes ou
noites, são longas sessões de música clássica, e algum silêncio.
O
jantar frugal é obrigatório, sobras do almoço. E tome mais conversa.
As
visitas nunca duram mais de dois dias, além da noite da chegada e a manhã da
partida; resumem-se a um sábado e um domingo. Eis o único momento triste desta
crônica, a hora da partida. Deixo o irmão no aeroporto e volto para casa, em
completo silêncio.
Escrevo na esperança de prolongar nosso
encontro.
Foto: Paulo Sergio Viana, Brasília, nov 2017.