O homem, que se apresenta
como historiador, é convidado a escrever crônica domingueira em O Estado de S.
Paulo. Ele já é figura bem conhecida de um certo público que assiste suas
conferências pela televisão e Internet, esteve no Roda Viva, porém escrever
semanalmente no Estadão é outra coisa!
Pois não é que Leandro Karnal, ao escolher o tema para
sua primeira crônica, publicada ontem (24/7/2016), teve a coragem de confessar
sua vaidade e seu medo diante de tremendo desafio. Assim inicia a crônica, cujo
título é “Sobre a vaidade”:
“A vaidade é conselheira astuta. Seduz. Instiga.
Ser colunista de um dos maiores jornais do país? Estar toda semana nas páginas
do Estadão? Fazer parte de uma instituição que remonta a 1875? Claro! Você
merece, Leandro. You’re the guy! O orgulho não precisa de esforço imenso: ele
prega sobre o valor das bananas para macacos famintos. O sim interno foi
imediato. Enfim, meu narciso se entregava, tépido, ao deleite das palavras:
Colunista do Estadão.”
E Karnal conclui de maneira magistral, diante do grande
desafio, sabedor de suas responsabilidades:
“Minha felicidade nunca esteve nas ondas rasas.
Sempre aceitei o jogo ambíguo do risco e do desafio. Um bom domingo a todos
vocês!”
Pois não é esta a essência mesma da crônica, tratar de
algo bem atual? Mais atual do que vai pela alma do escritor em dado momento,
impossível! Os sentimentos e emoções à flor da pele daquele que escreve:
vaidade, medo, orgulho, o peso da responsabilidade, a opinião alheia, angústia,
pavor.
Às tantas o agora cronista faz referência à obrigação
semanal. Penso que este seja o maior obstáculo para quem escreve: a obrigação de escrever. Porque de vez em
quando o escritor não sente vontade de escrever. Ele não tem controle sobre
isso, sobre o desejo de escrever, sobre o quê escrever ou não escrever, sobre
um certo vazio que vez por outra lhe assalta o espírito, a ausência absoluta de
ideias. Então, como escrever?
Karnal sabe
disso e confessa: “Lembra-te de que és apenas um homem”. Que bom ter a
consciência desta humana falibilidade! Fica mais fácil controlar o Narciso que
reside em todos nós. Então o cronista pode escrever para o leitor e não apenas
para si próprio.
Porém, Karnal é obrigado a fazê-lo, semanalmente, reza o contrato, o que está bem próximo
da tortura mental. Isso explica o fato de que até o grande Veríssimo, o maior
cronista do país, vez em quando erra na mão, enche o texto de abobrinhas e
borrachas, humano que é.
Nesta primeira crônica Karnal escreve com esmero de
conteúdo e forma; a continuar assim, haverá de acrescentar um prazer a mais às
nossas manhãs de domingo, ao lado de Veríssimo e Hélio Schwartsman (na Folha de
S. Paulo).
Porém, convenhamos, vida de cronista não é fácil: a obrigação
de escrever é quase desumana.