Meu querido André,
antes que você responda a
minha cartinha, apresso-me em comunicar que Doutor T. já era. O verbo no
passado não significa que o sujeito morreu; morreu para mim.
Resumo: um chato.
Não havia informado a você, André, o doutor é
dermatologista, o tempo todo falando de doenças e doentes, me mostrando
fotografias, que tira no celular, de feridas, tumores, úlceras, pus, larvas,
tudo quanto é pereba que você possa imaginar, cada coisa mais feia que a outra
e ele dizendo que é lindo, eu com vontade de vomitar. Acaba o jantar e lá vem
ele com sua coleção de aberrações, eu me esforçando para ser educada. Até que
um dia ele chegou em casa com umas casquinhas de ferida debaixo da unha do
indicador direito! Aí vomitei mesmo. E nunca mais peguei na mão dele do mesmo
jeito.
Tudo piorou com o sonho que eu tive. Sonhei que crescia
um tumor horrível dentro do meu olho direito, cheio de larvas, que doía muito e
sangrava e o sangue escorria pelo canto do olho trazendo larvinhas azuis e
brilhantes como a luz do césio, e que penetravam por pequeno orifício no meu
travesseiro, que já estava repleto de larvinhas azuis, eu com a cabeça pousada
naquele saco de larvas e sentia que elas se mexiam dentro do travesseiro, até
que acordei com meu próprio grito, suando frio, horrorizada. Percebi então que tinha
estado, durante o sonho, com o olho direito afundado no travesseiro, comprimido
e doendo. Será esta a origem do sonho, André? Li sobre isso em A interpretação
dos sonhos, de Freud, que você me indicou como um dos melhores livros de todos
os tempos (e é mesmo!). Mas as histórias de T. sobre feridas e tumores também
têm culpa no cartório, ah isso têm.
Tinha outra coisa, ele gosta do Paulo Coelho. Pode? De
repente, lá vinha ele com uma citação do carinha, cheia de moralismos, magias,
superstições, crendices, asneiras e mais asneiras, tudo com a respectiva
referência bibliográfica. Pode? Aí eu também tinha vontade de vomitar.
Fui aguentando, André, fui aguentando, até que ele
começou a se implicar com meu gosto por cortar cabelo de homem. No começo eram
insinuações veladas, um trelelê de quem comia e não gostava, meias palavras,
Coisa mais estranha, dizia ele, você gostar de cortar cabelo de marmanjo.
Não sei se
era ciúme, nunca fiquei sabendo, mas as lembranças do Afonso me tiravam o sono.
Lembra-se do Afonso? (É mesmo!, o Folhetim está no blog, contando a história
toda!) Depois T. começou a ficar agressivo, me diminuía por qualquer motivo,
Coisa mais desprezível, jogava na minha cara, Pára com isso porque assim você
me envergonha!
Aí foi demais, mandei ele para a puta que o pariu.
Será que tenho dedo-podre para escolher homem, André?
Você acredita nisso de dedo-podre? Eu acredito. Qualquer dia escrevo uma
cartinha sobre esta minha teoria.
Era isso que eu queria lhe dizer, antes que você me
perguntasse pelo Doutor T.. Pois morreu.
Grande abraço, e agora me responda logo, pois não tenho
mais desgraças para lhe adiantar.
Da sempre sua,
Suzete.