terça-feira, 20 de agosto de 2019

Ofir lê o jornal

Galeria de Família



Precioso registro de uma atividade sagrada de nosso pai, sempre cercada de rigoroso ritual.
Para ele, ler o jornal (O Estado de S. Paulo; ele não gostava do Globo, o preferido de Ondina) era coisa séria. Pra começar, ninguém podia TOCAR no jornal antes dele. Tirar um caderno interno, hoje denominado Caderno 2, para espiar a manchete, isso era crime inafiançável! Seu Ofir ficava uma fera.
Sentava-se à mesa, lia página por página dobrando cuidadosamente cada caderno, e ao final da leitura parece que o jornal nunca havia sido manuseado!
A foto mostra a sala do apartamento de Cabo Frio. Na mesa, ainda o velho bule de café, saco de pão, e o troco da padaria! Na pequena mesa à direita, uma garrafa de Velho Barreiro...
Saudade.

130 anos de Cora Coralina



Sombras


Tudo em mim vai se apagando.
Cede minha força de mulher de luta em dizer:
estou cansada.
A claridade se faz em névoa e bruma.
O livro amado: o negro das letras se embaralham,
entortam as linhas paralelas.
Dançam as palavras,
a distância se faz em quebra‑luz.
Deixo de reconhecer rostos amigos, familiares.
Um véu tênue vai se incorporando no campo da retina.
Passam lentamente como ovelhas mansas os vultos conhecidos
que já não reconheço.
É a catarata amortalhando a visão que se faz sombra.
Sinto que cede meu valor de mulher de luta,
e eu me confesso:
estou cansada.