Ao meu irmão Paulo Sergio
Meu irmão,
fidelíssimo leitor do “Louco”, pergunta sempre, De onde saem estas ideias? Nem
sempre tenho a resposta.
Agora
encontro no Essa música, livro de
poemas do grande Ivan Junqueira (1934-2014) que acaba de ser lançado pela Rocco
(2014), uma possível resposta, lindamente oferecida ao leitor de forma poética.
O
poema
Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele é que se escreve
e que se pensa,
como um polvo a distender-se, lento,
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.
Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo que aos poucos se relembra:
um rosto, a paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã adentro.
Ele se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, estrito, minudente,
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.
As palavras com que em vão o invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele é que cabe todo o engenho,
não a mim, que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir-se escrevendo.
Ivan
Junqueira