quarta-feira, 22 de março de 2017

Aldravia n. 49



outono
prenúncio
de
seca
cerrado
alerta


Foto: A.Vianna, mar 2017, jardim.

Nossa fraqueza, nossa força

    Em sua crônica Força e fragilidade psíquicas (Estado da Arte, 20 Março 2017), o psicanalista e historiador Felipe Pimentel destaca o difícil debate na área da psiquiatria, psicologia e psicanálise sobre a definição do que é normal e do que é patológico.
            Quanto ao diagnóstico de uma situação supostamente anormal, afirma Pimentel: “somos nós mesmos que percebemos nosso mal-estar, e não alguém externo que aponta sintomas que apresentamos.”
            Então ele formula duas questões interessantes: “E quando nossas ferramentas não funcionam? E mais: o que significa dizer que elas não funcionam – que estamos doentes?”
            As conclusões a que Pimentel chega a partir deste raciocínio me parecem brilhantes:

“Primeiro, as nossas ferramentas não deixam de funcionar quando estamos frágeis ou mesmo diante de situações traumáticas e difíceis. Pelo contrário, nossa mente possui uma força descomunal e é capaz de suportar traumas mastodônticos sem colapsar. Diante de traumas, ela utiliza os mais diversos expedientes que temos disponíveis para lidar com ele, fugas, racionalizações, atuações e uma centena de soluções particulares. Se nossa mente enfrentasse os traumas (reais ou internos) diretamente seria insuportável para ela, e isso já nos aponta a resposta: assim como ela se protege do horror, nossa mente também só se permite colapsar muitas vezes quando estamos fortes – e não frágeis. Quer dizer, quando ela se sente mais fortalecida para vivenciar nossas angústias, é possível que ela nos mande um alerta, que também é um convite: agora que estamos com mais recursos, quem sabe sofrer um pouco para reorganizar o que nos causa mal-estar? Isso explica porque muitas pessoas ultrapassam traumas incríveis incolumemente para depois caírem em crises psicológicas em momentos distantes e aparentemente tranquilos ou até mesmo diante de situações superficialmente muito mais simples e singelas que traumas passados. Desse modo, para um psicanalista, uma crise psicológica é, muitas vezes, o avesso de uma fragilidade psíquica, mas o indício de que naquele momento a mente está fortalecida para baixar suas defesas e encarar suas angústias. E é nesse momento que surge a mais bela oportunidade para nos transformarmos e escaparmos das amarras e imbróglios que nosso próprio modo de funcionamento montou.”

            O grifo acima é meu, para destacar a ideia de que nossa mente às vezes se permite colapsar. E isso pode ocorrer exatamente quando nos sentimos mais fortes.
            Durante o processo analítico, são os difíceis entraves entre analista e analisando, gerando “crises” que muitas vezes levam este último ao desespero (chegando a abandonar a análise), que permitem a expansão psíquica quando vencidos.
Nas palavras de Pimentel, “uma crise psicológica é, muitas vezes, o avesso de uma fragilidade psíquica”. O real entendimento desta situação ajuda o sujeito a vencer os traumas que a vida se nos apresenta. Em palavras mais simples, nossa fraqueza pode constituir-se em nossa força. Aprender a admitir e respeitar esta fragilidade, como condição intrínseca do ser humano, nos parece o primeiro passo para tal entendimento.