Até
hoje, nos seminários com os alunos, esta permanece uma questão difícil de ser
respondida por eles. Depois de alguns anos de discussão sobre o assunto, eles
se convenceram de que dizer a verdade ao paciente é a melhor forma de lidar com
o problema. Mais que isso, compreenderam que é um direito do paciente. Então,
se ele pergunta quanto tempo tem de vida, o médico, para ser coerente, deveria
responder, e segundo a maioria dos estudantes de medicina ainda hoje, seguindo
a média de sobrevida estabelecida
pela literatura médica pertinente a cada patologia. Embora também faça a opção
pela verdade, tenho ponto de vista diferente neste particular.
Minha resposta à pergunta Doutor, quanto tempo tenho de vida?, é
invariavelmente NÃO SEI. Em primeiro lugar, porque não sei mesmo. Se pensamos
que sabemos, se arriscamos um palpite, fruto de nossa onipotência e onisciência
infantis, acumularemos equívocos, o que será de toda forma danoso ao paciente
que confiou em nós.
Em segundo
lugar, pelo que exporei em seguida. Tomemos como ilustração um gráfico de
dispersão, onde cada ocorrência individual é representada por um ponto,
ocorrências estas dispostas, na ordenada, segundo o tempo de sobrevida de cada
paciente, medido em anos. O traço horizontal no interior do gráfico indica o
valor médio destas ocorrências.
Sobrevida 1 0 – | . A
em anos 9 – | . . .
8 – | . . . . .
7 – | . . . . .. .
6 – | . . . . .
5 – | M . . . . ____ Média
4 – | . . . . . . . . .
3 – | . . . . ..
2 – | . . . . .
1 – | . B
|_______________________________
Pacientes
Se o
paciente que me pergunta quanto tempo tenho de vida coincidir com o ponto A do
gráfico, deverei responder que ele terá 10 anos de sobrevida. Se coincidir com
o ponto B, direi que ele tem 1 ano de vida. Se a coincidência estiver no ponto
M, portanto próximo à média, então direi que ele terá 5 anos de vida.
Definitivamente, quando determinado paciente me faz esta pergunta, não posso
saber em que ponto situá-lo no gráfico, e não há como sabê-lo estatisticamente.
A única resposta possível, portanto, é NÃO SEI.
Tanto a
disposição das ocorrências individuais em um gráfico, como o cálculo da média,
acompanhada do respectivo desvio padrão, constam da metodologia da ciência
estatística, baseada na ótica dos grandes números. Quando o médico está diante
de seu paciente, está diante de uma singularidade. E não é possível aplicar
tratamento estatístico à unidade.
Ocorre ainda
que, se oferecemos ao paciente um determinado número, em dias, meses ou anos,
mesmo que ele seja informado que se trata de média, tal número pode passar a
ser encarado como um prazo, uma data limite, verdadeira sentença a ser cumprida
após exaurir-se aquele período. Desde que recebe tal notícia, ele passa a
“contar o tempo”, até a data pré-fixada, o que certamente há de interferir com
sua qualidade de vida. Esta perspectiva por parte do paciente prende-se muito
mais a fatores emocionais, do que à razão. A ameaça de morte provoca reações
emocionais intensas e primitivas, e não podemos esperar que ele possa pensar de
forma racional, como o médico pensa ao falar em médias.
A alegação
de que é importante para o paciente a ideia de quanto tempo ele dispõe de vida,
pois precisa tomar providências práticas relativas à sua vida, nos parece
bastante relevante. Devemos conversar então sobre a gravidade da doença,
apoiá-lo e estimulá-lo a tomar as medidas de ordem prática, e ao mesmo tempo,
falar das limitações da Medicina e do médico, de nosso não saber, de nosso
“poder” limitado ou, melhor dizendo, de um “não-poder”, com a humildade genuína
de quem está falando a verdade.
Como afirmei
acima, embora também eu faça a opção pela verdade, este meu ponto de vista não
é aceito pela maioria dos estudantes, quando o tema é trazido para discussão, e
não estou certo a respeito da origem desta divergência. Será ainda a forte
pressão da onisciência infantil?
Para quem é mais dificil: para o paciente ouvir o " não sei" ou para o medico, dizé-lo?
ResponderExcluirTalvez para ambos. O ser humano detesta a incerteza. Fazer o quê? Forjar uma resposta? Se não sei, digo que não sei.
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