segunda-feira, 15 de julho de 2013

10. Doutor, quanto tempo tenho de vida?


Até hoje, nos seminários com os alunos, esta permanece uma questão difícil de ser respondida por eles. Depois de alguns anos de discussão sobre o assunto, eles se convenceram de que dizer a verdade ao paciente é a melhor forma de lidar com o problema. Mais que isso, compreenderam que é um direito do paciente. Então, se ele pergunta quanto tempo tem de vida, o médico, para ser coerente, deveria responder, e segundo a maioria dos estudantes de medicina ainda hoje, seguindo a média de sobrevida estabelecida pela literatura médica pertinente a cada patologia. Embora também faça a opção pela verdade, tenho ponto de vista diferente neste particular.
            Minha resposta à pergunta Doutor, quanto tempo tenho de vida?, é invariavelmente NÃO SEI. Em primeiro lugar, porque não sei mesmo. Se pensamos que sabemos, se arriscamos um palpite, fruto de nossa onipotência e onisciência infantis, acumularemos equívocos, o que será de toda forma danoso ao paciente que confiou em nós.
            Em segundo lugar, pelo que exporei em seguida. Tomemos como ilustração um gráfico de dispersão, onde cada ocorrência individual é representada por um ponto, ocorrências estas dispostas, na ordenada, segundo o tempo de sobrevida de cada paciente, medido em anos. O traço horizontal no interior do gráfico indica o valor médio destas ocorrências.    
                       
                                   Sobrevida   1 0 – |                                . A
                                     em anos      9 – |                   .        .     .
                                                        8 –  |                  .     .    .     .     .   
                                                        7 –  |                     .    .    .  . ..    .
                                                        6 –  |                      .  .    .   .     . 
                                                        5 –  |                M .   .   .    .    ____ Média
                                                        4 –  |                 .  .  .  .    .    .   . .  .
                                                        3 –  |                        .  .      .   .   .. 
                                                        2 –  |                            .  .   .  . .
                                                        1 –  |                                  . B
                                                               |_______________________________                      
      Pacientes

Se o paciente que me pergunta quanto tempo tenho de vida coincidir com o ponto A do gráfico, deverei responder que ele terá 10 anos de sobrevida. Se coincidir com o ponto B, direi que ele tem 1 ano de vida. Se a coincidência estiver no ponto M, portanto próximo à média, então direi que ele terá 5 anos de vida. Definitivamente, quando determinado paciente me faz esta pergunta, não posso saber em que ponto situá-lo no gráfico, e não há como sabê-lo estatisticamente. A única resposta possível, portanto, é NÃO SEI.
Tanto a disposição das ocorrências individuais em um gráfico, como o cálculo da média, acompanhada do respectivo desvio padrão, constam da metodologia da ciência estatística, baseada na ótica dos grandes números. Quando o médico está diante de seu paciente, está diante de uma singularidade. E não é possível aplicar tratamento estatístico à unidade.
Ocorre ainda que, se oferecemos ao paciente um determinado número, em dias, meses ou anos, mesmo que ele seja informado que se trata de média, tal número pode passar a ser encarado como um prazo, uma data limite, verdadeira sentença a ser cumprida após exaurir-se aquele período. Desde que recebe tal notícia, ele passa a “contar o tempo”, até a data pré-fixada, o que certamente há de interferir com sua qualidade de vida. Esta perspectiva por parte do paciente prende-se muito mais a fatores emocionais, do que à razão. A ameaça de morte provoca reações emocionais intensas e primitivas, e não podemos esperar que ele possa pensar de forma racional, como o médico pensa ao falar em médias.
A alegação de que é importante para o paciente a ideia de quanto tempo ele dispõe de vida, pois precisa tomar providências práticas relativas à sua vida, nos parece bastante relevante. Devemos conversar então sobre a gravidade da doença, apoiá-lo e estimulá-lo a tomar as medidas de ordem prática, e ao mesmo tempo, falar das limitações da Medicina e do médico, de nosso não saber, de nosso “poder” limitado ou, melhor dizendo, de um “não-poder”, com a humildade genuína de quem está falando a verdade.
Como afirmei acima, embora também eu faça a opção pela verdade, este meu ponto de vista não é aceito pela maioria dos estudantes, quando o tema é trazido para discussão, e não estou certo a respeito da origem desta divergência. Será ainda a forte pressão da onisciência infantil?

2 comentários:

  1. Para quem é mais dificil: para o paciente ouvir o " não sei" ou para o medico, dizé-lo?

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    1. Talvez para ambos. O ser humano detesta a incerteza. Fazer o quê? Forjar uma resposta? Se não sei, digo que não sei.

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