Quando Ondina se mudou com a família para
a Rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em pleno coração de Ipanema, fez questão de imprimir uma nova
marca a sua vida. O apartamento, um por andar – como se costumava dizer – e com ar refrigerado central, elevava o nível
social da família a alturas nunca dantes imaginadas.
Antes
de mais nada é preciso dizer que Ondina nasceu em Floriano, obscuro povoado do
interior do Estado do Rio, cortado ao meio por monstruoso aterro sobre o qual
passa a estrada de ferro que liga o Rio a São Paulo. E que a mãe dela, Dona
Josefina, também havia nascido em Floriano. Já a avó, viera de Marselha, na
França, e sabe deus como veio parar naquelas bandas, mas esta é uma outra
história.
Menina
ainda, foi estudar em Guaratinguetá, onde fez o curso Normal, formando-se
professora. Trabalhou por uns tempos em Volta Redonda, na Companhia Siderúrgica
Nacional. Casou-se. Morou um ano em São Paulo, depois Taubaté, novamente Guará,
e em cada um desses lugares nasceu um filho seu. Até que por fim chegou ao Rio
de Janeiro, a realização de um grande sonho, minuciosamente arquitetado ao
longo de muitos anos.
Morou
na Tijuca, de aluguel, num pequeno sobrado, até que a família se assentasse.
Logo mudou-se para um bom apartamento em Laranjeiras, onde viveu por dois ou
três anos. Enfim, chegou a Ipanema!
Decorou
o apartamento de ampla sala com discreto bom gosto. Certo dia, para a surpresa
da família, chegou em casa com dois quadros, óleos sobre tela, de tamanho
médio, moldura bem simples. Um deles, uma marinha, pouca tinta sobre a tela,
uma rede apenas insinuada, um pescador, uma cesta de peixes, muito azul. O
outro, o que parecia ser o fundo de uma igreja, uma árvore densa em primeiro
plano, folhagens espessas.
Nada
se falou sobre eles. Nenhum comentário do marido ou dos filhos, nenhuma explicação
por parte da compradora. Onde adquirira os quadros? Recebera alguma orientação
de especialista em arte na escolha dos mesmos? Haveria consultado algum
catálogo de arte? Ou apenas seguira seu próprio gosto e intuição? Ninguém
perguntou e nada foi dito a respeito do custo daquelas obras. Embora moradores
de Ipanema, sobrava pouquíssimo dinheiro no bolso dos membros da família. Quanto
custaram? Se havia pouco dinheiro, pagou-se pouco pelos quadros, e por consequência,
deveriam valer pouco, artisticamente falando. Este era um raciocínio
inevitável. Bem, simplesmente foram pendurados na sala, como se sempre tivessem
estado naquelas paredes, um verdadeiro mistério.
Nunca se soube que
Ondina manifestasse gosto pela pintura. Pela música sim, que considerava
Beethoven um deus! Apreciava os clássicos, numa faixa de cronologia que ia de
Bach a Brahms; gostava das Bachianas de Villa Lobos, mas era só; os modernos,
nem pensar. A pintura não fazia parte das conversas familiares.
A
interrogação a respeito do real valor artístico dos dois quadros adquiridos por
Ondina permaneceu portanto no limbo. Pensava-se sobre o assunto, não se falava
dele. Nunca se falou dele até hoje, vários anos após a morte de Ondina.
Uma
das pinturas veio parar em minhas mãos, como herança, pelos préstimos de meu
irmão. A outra parece que pertence a uma sobrinha, nem mesmo sei o nome do
pintor. A que me coube, mandei-a restaurar e encontra-se hoje em minha sala.
Não foi difícil identificar a assinatura do pintor, e mais fácil ainda foi pesquisar
seu nome na Internet. Eis o quadro, e um resumo da vida e obra do pintor:
“Armínio de Moura Pascual (Rio de Janeiro, 4 de abril de 1920 — Petrópolis, 31 de agosto de 2006) foi um pintor do Brasil, discípulo de Armando Viana e de Gerson de Azeredo Coutinho. Foi professor da Sociedade Brasileira de Belas Artes e figurou em diversas
coletivas no país e no exterior (Europa). Recebeu diversos prêmios. No Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro,
conquistou medalhas de bronze, prata, ouro, e o prêmio de viagem ao
estrangeiro. Expôs sua excelente pintura em várias cidades do mundo em mostras
individuais. Tem trabalhos em vários museus, dentre eles no Museu Nacional de Belas Artes. Foi principalmente um paisagista.
A
seu respeito escreveu Pietro Maria Bardi: “A excelência da paisagem coloca-o
entre os melhores pintores contemporâneos do gênero. Paralelamente à paisagem,
fixa cenas com melindrosas e ambiências das décadas de 20 e 30, repositórios da
memória de infância. Mas no momento universal de uma paisagem que se
essencializa, no ritmo das massas cromáticas que com sabedoria estruturam as
composições, é que evidencia a mão do mestre.”
Armínio Pascual recebeu o prêmio de viagem ao exterior no Salão Nacional de Belas Artes em 1971.
Dez anos depois realizou uma individual na qual prestava contas da
responsabilidade da láurea e de um tempo de ofício resultante do contato com os
ambientes artísticos europeus. Surgia então um novo pintor, facilmente situado
ao lado de um Sílvio Pinto, de um Bustamante Sá, todos principalmente paisagistas.”
Ondina continua a nos surpreender!