Em entrevista publicada no El País (3 JUL 2016) por Borja
Hermoso, George Steiner, aos
88 anos, denuncia a má educação que ameaça o futuro dos jovens: “Estamos matando os sonhos de nossos
filhos”.
O currículo de Steiner
impressiona: professor de literatura comparada, leitor de latim e
grego, eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; vencedor do Prêmio
Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; polemista e mitólogo
poliglota, autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da
semiótica, como Errata — Revisões de
Uma Vida, Nostalgia do
Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi
ou Dostoievski ou A Poesia do Pensamento, etc.
Pois ele
declara: “Estou enojado com a educação
escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória”.
A
entrevista é longa, e antes de chegar ao ponto que me interessa, destaco
algumas afirmações do filósofo.
“O que mais me perturba é o medo da
demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra
isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção. [...] Eu me levanto,
vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa
qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço
isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter
poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e
meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias... e certamente parece ajudar.”(O Louco chama isso de escrita terapêutica.)
“A poesia me ajuda a concentrar, porque
ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu
adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da
minha vida.”
“Vivemos uma grande época de poesia,
especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios
eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as
pessoas o preferem ao kindle...
Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas
há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo... De ter tempo. Nunca a
aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é
preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do
silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos
ensina a encontrar o essencial em nós.”
“O erro é o ponto de partida da
criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes
desafios, os riscos.”
“O dinheiro nunca falou tão alto quanto
agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o
capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros
do Parlamento, funcionários públicos, professores... Hoje mesmo a criança
cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico.”
A entrevista continua, os pontos de
vista apresentados pelo filósofo são interessantíssimos, porém, de repente
deparo-me com uma surpreendente manifestação de ódio. Perguntado se tinha
simpatia pela Psicanálise, Steiner respondeu:
“A
psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em
ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades
me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna
fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar
errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena
crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense:
“A psicanálise é a única cura que inventou sua doença. [...] Freud é um dos
maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista
excepcional.”
Chegamos
ao ponto que me interessa. Ao dizer-se enojado – a palavra é forte – penso que
Steiner confessa o sentimento de ódio que carrega sobre o assunto. Declarações
como esta não são raras. Kafka, contemporâneo de Freud, afirmou que desejava “manter-se
o mais longe possível da Psicanálise”. José Saramago, nosso Nobel de Literatura
da língua portuguesa, também manifestou idêntica opinião. A lista é longa;
agora Steiner, com ênfase impressionante: “...a ideia de pagar alguém para
ouvir seus segredos e intimidades me enoja”.
Esta
frase é emblemática e contem três aspectos interessantes. Primeiro a questão do
dinheiro, o devido pagamento ao
psicanalista, que com enorme frequência afeta os analisandos. Como todo ser
humano, estes só desejam receber, não querem dar nada. Sentem-se explorados
pelo analista, que segundo eles, conscientemente ou não, tem a obrigação de
atendê-los. Trata-se de manifestação puramente infantil.
O segundo
ponto é o do segredo. Mas que
segredo? Os problemas do homem são impressionantemente semelhantes! Quando
verbalizados, e então deixam de ser segredos, perdem por completo sua força,
interdição, mistério, pecado. Tornam-se fatos banais, corriqueiros, mundanos,
comuns a todos os seres humanos. Édipo Rei, de Sófocles, tem mais de 2.400
anos...
O
terceiro aspecto é o da intimidade.
O processo analítico gera intimidade entre duas pessoas, e não há nada de
errado nisso! Exige sim muito trabalho, tempo, paciência, perseverança,
elementos que haverão de trazer benefícios ao funcionamento mental de ambos,
permitindo o afloramento das manifestações do inconsciente.
Wilfred
Bion (1897-1979) chamou tais manifestações de “ódio à Psicanálise”. A expressão
cai bem diante das declarações de Steiner. A Psicanálise pode não servir a ele,
mas por que ignorar o benefício que traz a milhares de seres humanos que
padecem de sofrimento psíquico?
De
qualquer modo, vale a pena ler a entrevista de George Steiner.
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467214901_163889.htm