”Pense. Preste atenção na
sua vida. Olhe bem para seus problemas. Observe a situação do país. Você
acredita mesmo que a grande ameaça para o Brasil – e para você – são os pedófilos? Ou os museus? Quantos pedófilos
você conhece? Quantos museus você visitou nos últimos anos para saber o que há
lá dentro? Não reaja por reflexo. Reflexo até uma ameba, um indivíduo
unicelular, tem. Exija um pouco mais de você. Pense, nem que seja escondido no
banheiro.”
Assim tem início o artigo da
excelente jornalista e escritora Eliane
Brum para El País (31/10/17), com o título Como fabricar monstros para
garantir o poder em 2018.
Abaixo do
título, Brum resume o assunto: “Enquanto o país é tomado por assaltantes do dinheiro público,
parte dos brasileiros está ocupada caçando pedófilos em museus.”
O que parece
muito simples, a ponto de Eliane Brum quase que ingenuamente transformar em
conselho, na realidade é bastante complexo. Pensar dá trabalho.
O aparelho psíquico começa a
funcionar a partir do nascimento (provavelmente até antes dele), e
desenvolve-se ao longo da vida. É preciso aprender a pensar. São vários os
elementos que fazem parte desse processo a que chamamos pensar, mas desejo
destacar aqui apenas um deles (inspirado em conversa recente com meu irmão
Paulo), o hábito da leitura.
O hábito da leitura tem início na
infância. Ou não: quando determinadas leituras tornam-se obrigatórias
precocemente, quando o menino de dez anos é obrigado a ler Memórias póstumas de Braz Cubas, ou Cartas de Inglaterra, do Eça, e são incontáveis os exemplos de
literatura capaz de afastar o pequeno leitor do gosto pelos livros, então o
hábito da leitura é bruscamente interrompido ou nem mesmo tem início.
Se a alfabetização não se processa –
calamidade nacional –, incluindo aqui o analfabetismo funcional (talvez 50 % da
população brasileira), o hábito não pode se desenvolver. Desnecessário
enfatizar a importância da Educação, que esperamos, algum dia, torne-se
prioridade nacional.
Resta um bom número de pessoas, alfabetizadas,
inteligentes, bem articuladas, de bom nível sócio-econômico, muitas com
educação de nível superior, que lêem muito pouco ou não o fazem de todo. Quando
muito, lêem 1 livro por ano; interrogadas sobre o nome do livro e do autor,
engasgam-se, não se lembram, o que nos oferece boa ideia de quanto valorizam o
ato de ler.
O que se pretende ao se defender o
hábito da leitura, de preferência iniciado na infância? Aquilo que Bion chamou
de expansão psíquica. Para Bion, as
experiências emocionais são responsáveis, basicamente, pela formação do
aparelho mental capaz de pensar. A construção de um mundo interno coerente
deve-se à capacidade de pensar.
A leitura contribui enormemente para
este processo, em particular a literatura de ficção, que facilita o sonhar e o
pensar. Sonhar é a forma mais primitiva de pensar. Na infância, o brincar, que
nada mais é que o exercício da fantasia, é essencial para o desenvolvimento
psíquico. (Seria muito bom que as mães não interrompessem uma brincadeira com
brusquidão, respeitando assim algo de muito sério, para a criança que brinca.)
Eliane Brum, quando escreve “Pense. Preste atenção na sua vida. Olhe bem para seus
problemas.”, poderia acrescentar: Leia, Leia muito.
O artigo de
Eliane Brum segue em direção diversa a desta postagem e vale a pena ser lido: