(Peço
encarecidamente ao possível leitor deste blogue que leia primeiro (caso ainda não tenha feito) a postagem
anterior a esta, Suzete em apuros,
para depois sim, ler a presente Reviravolta...)
Por um lapso imperdoável,
justificável apenas pela agitação de que foi tomado este narrador tão logo
soube dos apuros em que se meteu Suzete, até agora não mencionei o nome do
senhor delegado de polícia, que com tanto zelo vem conduzindo o Caso do Assassinato
no Salão de Beleza. Arturo, chama-se o homem, nome italiano, sabe-se lá se os
pais dele não eram aficionados pela música de Verdi, Beethoven ou Brahms.
Nas conversas que tenho com Suzete
diariamente fui informado de que transcorridos seis dias do crime, o caso ainda
não foi solucionado, o que deixa o delegado Arturo em situação difícil, pressionado
pela mídia local e até estadual. Não foi por outra razão que chegou à A. o inspetor
chefe Dr. Wellington, enviado pelo próprio Governador.
Dr. Wellington é tido como sumidade
na área da perícia investigativa, cuja fama corre mundo, por ser desvendador
dos crimes mais complexos. Em silêncio, sem os arroubos do delegado Arturo,
ouviu com cuidado o relato de tudo o que havia sido apurado até então,
incluindo a tese de que o homem não havia morrido pela tesourada na virilha, e
sim por intoxicação por arsênio, através do pequeno corte na orelha direita,
tese esta repetida ad nauseam pelo
delegado.
Minuciosa busca em casa de Suzete
não evidenciou qualquer traço de arsênio, porém ela foi intimada a depor diante
do inspetor Wellington, para enorme constrangimento de nossa amiga cabeleireira.
O inspetor escarafunchou-lhe o passado, perguntou sobre o casamento com Afonso,
a tentativa de homicídio, por ciúme, que ela sofrera pelo próprio marido, a
posterior prisão de Afonso, sua morte por câncer na prisão, como ela foi parar
em A. tendo residido vários anos em Brasília, e ela foi respondendo tintim por
tintim, muito calma, sem qualquer indício de que fosse uma criminosa.
Seguiu-se o interrogatório das
outras cabeleireiras, incluindo Albertina, dona do salão. Terminada essa fase
da investigação, Dr. Wellington reuniu-se com o delegado Arturo, na presença de
todos os interrogados, inclusive Suzete. O inspetor afirmou com voz pausada e
grave:
“A hipótese da morte pelo arsênio,
seguida da tesourada (parece que até ele, o inspetor, gostou do termo) na virilha,
exposta pelo delegado Arturo é bastante engenhosa, brilhante mesmo, porém não
pode estar correta.”
Ouviu-se um Óóóóóó!!! na delegacia, exclamação
de espanto geral, “permita-me o pleonasmo, André”, afirmou Suzete ao telefone,
com aquele seu tom de sabe-tudo. O inspetor prosseguiu:
“O
arsênio, cuja história foi tão bem enunciada pelo delegado Arturo, não provoca
a morte por simples contato com a pele, mesmo havendo um ferimento como aquele na
orelha direita da vítima. Algum grau de intoxicação haverá de causar, porém é necessária
a ingestão de quantidade maior, ou injeção intravenosa do arsênio, para causar
o óbito. Nada disso ocorreu. Talvez o delegado tenha se confundido com o efeito
altamente letal da estricninina, esta sim, substância perigosíssima, mortal em
doses mínimas. Porém, não há referência a esta substância no laudo do legista.
Por
que então a presença de arsênio, substância incomum, na orelha da vítima e na
tesoura? Penso que se deve ao fato do
assassino ou também confundir o efeito do arsênio com o da estricnina, como fez
nosso delegado Arturo, ou então trata-se de algum tipo de despistamento, apenas
desejo de nos confundir a todos. Porém, é possível que esta pessoa tenha alguma
familiaridade com venenos ou substâncias estranhas. Estranha pessoa...
Desse
modo, concluo que o homem morreu mesmo por exsanguinação provocada pela
tesourada na virilha. Digo ainda que foram necessários pelo menos dois
comparsas para segurar a vítima, para que ela fosse imobilizada na cadeira na
posição em que foi encontrada, semideitada, com a cabeça pendente, antes do
ataque final. Aliás, a distribuição dos fios de cabelo espalhados pelo chão, em
volta da cadeira onde o crime foi perpetrado, indica sinais de luta corporal.
Suponho
ainda que o golpe mortal tenha sido desferido por uma mulher, mais precisamente
uma cabeleireira, cuja escolha da arma, uma tesoura de cortar cabelo, parece-me
bastante natural. A criminosa há de ter intimidade com a arma, que desferida em
região do corpo onde se encontra uma artéria relativamente superficial e
calibrosa, como é o caso da artéria femoral, palpável com facilidade na
virilha, um golpe bem desferido no local há de ser mortal.”
Disse-me
Suzete que a plateia estava estupefata – palavra empregada por ela mesma – com o
discurso do inspetor. Quando ele falou em “intimidade com tesoura”, bambearam-lhe
as pernas.
Suzete
estava miseravelmente abalada.
Naquele
momento eu tinha compromisso inadiável e precisei interromper a conversa com
Suzete pelo telefone. Prometi-lhe que ligaria na manhã seguinte. E assim o
farei. Talvez fosse melhor voltar a A., pessoalmente.