Firmino Freitas tinha doze anos quando ganhou do pai uma câmera fotográfica da marca Minolta, acompanhada de complicado manual redigido em inglês, contendo termos e expressões e uma infinidade de comandos impenetráveis para um menino daquela idade. Obstinado, Firmino destrinçou pouco a pouco o funcionamento daquele emaranhado de botões, pediu ao pai dinheiro para comprar um rolo de filme Kodak preto & branco 24 poses, ganhou a rua para a primeira experiência como fotógrafo.
Depois de hora e meia andando a esmo pela cidade à cata de objeto digno de ser registrado, o aprendiz de fotógrafo deu de cara com uma mudança em pleno andamento, alguns homens trabalhando numa complicada operação, subindo um sofá de quatro ou cinco lugares para uma janela do quarto andar do edifício, já que o mostrengo jamais subiria por escada ou elevador. Exultante, Firmino começou disparar sua máquina, buscando o melhor ângulo, a iluminação ideal, a fotografia premiada. No íntimo, torcia para que ocorresse algum acidente, já via a foto estampada na primeira página do jornal da cidade acompanhada da estrondosa manchete – SOFÁ DESPENCA DO QUARTO ANDAR E MATA DOIS TRANSEUNTES –, e logo abaixo, FOTO: FIRMINO FREITAS.
Chegou esbaforido em casa, já na hora do almoço, foi logo pedindo ao pai que levasse o filme para revelar, ansioso pelo resultado, mesmo que o sofá não tenha despencado. O pai, severo, acedeu sem uma única palavra.
Passaram-se os dias, uma semana, duas semanas, o pai não tocava no assunto; Firmino arriscou Será que está pronto, pai? E do pai nada, apenas o silêncio carrancudo.
Depois de um mês de absoluto silêncio Firmino resolveu conversar com a mãe, saber se ela tinha alguma notícia do filme, se podia interferir junto ao pai, Meu filho, você sabe como é seu pai, me disse que fotografia é coisa de veado, foi horrível, não sei que destino ele deu ao seu filme, sinto muito meu filho. Encerrou-se assim a estreia fotográfica de Firmino Freitas.
O menino cresceu, mudou-se para cidade grande, tornou-se profissional respeitado, com frequentes fotos nas primeiras páginas de grandes jornais e algumas exposições em galerias famosas. Casou-se com uma linda arquiteta – o pai, severo demais, havia se enganado –, com quem teve dois filhos; Firmino, homem sério, pouco menos severo com os filhos, nunca se esqueceu do filme perdido na infância.
Passados longos anos, Firmino já velho e aposentado, certa manhã despertou subitamente de um longo sonho, do qual restara gravada na memória, como ponta de aço que fere a chapa de metal, apenas uma única frase: Nunca fotografe um anão.