O beijo, de A. Rodin (1901-04)
O beijo, de C. Brâncusi (1907-08)
Diante das duas esculturas mostradas acima, ambas com o título O beijo,
a primeira do francês Auguste Rodin (1840 -1917) e a segunda do romeno
Constantin Brâncusi (1876-1957), me parece “natural” que eu manifeste a minha preferência
pela primeira, e estou certo de que serei acompanhado por muitos.
Depois da leitura do capítulo O
primitivismo na escultura, extraído do livro Isto é arte? – 150 anos de arte
moderna do Impressionismo até hoje, de Will Gompertz (Ed. Zahar, 2013), devo
confessar que mudei de opinião. Hoje prefiro O beijo de Brâncusi.
Confesso também meu espanto diante
de minha própria mudança! Como ela se processou? Que elementos influenciaram,
de forma irreversível, meus sentimentos – porque não há dúvida que se trata de sentimentos
– meu modo de ver e sentir estas duas obras de arte, ambas de grande valor,
indiscutivelmente.
Não tenho qualquer pretensão de
influenciar quem quer que seja – “Todo convencimento é infrutífero”, afirma Walter Benjamin – mas desejo apenas registrar a importância de se pensar a obra de arte.
Segundo Gompertz, “A posição geral de Brâncusi era clara: o que
importava era o resultado final, não o processo de produção. Mas sua abordagem
pessoal era a de pôr as mãos na massa. (Em muitas obras, Rodin produzia um
modelo e o entregava a artesãos, para que executassem a peça final).
Gompertz continua: “Diferentemente de Rodin, ele [Brâncusi] se incumbia
de seu próprio trabalho, e muitas vezes eliminava o estágio da feitura do
modelo entalhando diretamente em seu material escolhido – pedra ou madeira –
para produzir uma escultura. Essa prática era uma novidade, assim como o
retorno a materiais “inferiores” como esses, em vez do método mais tradicional
de entalhar mármore ou fazer moldes de bronze. Um dos grandes triunfos da
famosa escultura O beijo, de Rodin, foi sua dupla ilusão: um único bloco de
bronze que é ao mesmo tempo não só os corpos esbeltos de dois jovens amantes,
como a pedra irregular sobre a qual eles se acariciam. Ao produzir seu próprio
O beijo, Brâncusi fez uso do mesmo truque, mas de uma maneira muito mais
moderna e contudo muito mais arcaica. ...Diferentemente de Rodin, Brâncusi não
fez nenhuma tentativa de disfarçar as propriedades físicas da pedra; na
verdade, escolheu de propósito uma pedra não polida, por sua superfície áspera.
Em seguida entalhou uma representação básica de um casal amoroso do peito para
cima. A composição é maravilhosamente simples. As duas figuras estão seladas
num beijo, seus braços se abraçando, suas mãos de dedos atarracados enroladas
por trás do pescoço uma da outra, puxando-a gentilmente para mais perto.”
E o crítico Gompertz conclui: “Brâncusi
estava desafiando a convenção ao usar materiais inferiores e retratar pessoas
insignificantes. Estava também dando a conhecer um manifesto pessoal, que era
fazer escultura com a humildade de um artesão, não a altivez de um grande
artista. Isso, ele acreditava, permitiria uma relação mais honesta entre
artista, objeto e espectador. O abandono da feitura do modelo em favor do
entalhe direto em materiais era, disse ele, “o verdadeiro caminho para a
escultura”.
Ainda no ginásio, com 11 anos de
idade, ouvi de meu professor de arte Quissak Jr (1935-2001), nascido em
Guaratinguetá – SP, ele mesmo um artista, filho do pintor Ernesto Quissak
(1891-1960), a frase que me causou
grande impacto à época, deixando marca permanente em meu espírito: “Gosto se
discute”.
Mais tarde ampliei-a para Tudo se
discute.