Gosto de afirmar que a
velhice tem uma única vantagem: o velho tem liberdade para dizer o pensa, e quase
sempre é ouvido com respeito, com tolerância, mesmo que não concordem com ele. O
velho vê uma menina bonita na rua, no shopping, no cinema, olha para ela, mesmo
que esteja acompanhada, e diz, Mas você é linda! Se está acompanhada, diz ao
namorado, Parabéns, sua namorada é linda! E ninguém se ofende, ninguém fica
bravo, ninguém pensa em tirar satisfação com o velho. É apenas a opinião de um
velho! Condescendentes, as pessoas riem da inofensiva franqueza do velho. A
opinião dele não pode fazer mal a ninguém.
Mas cuidado, há um grande
perigo nessa prerrogativa, a de dizer bobagem da grossa, pensando que está
abafando!
Não
será este o caso do nosso queridíssimo Carlos Heitor Cony, em sua crônica de
hoje (27/9) – O poema e a
poesia – na Folha de S. Paulo?
Vejamos o que escreve
Cony:
“Não gosto dos
poemas. Do ângulo em que me coloquei na vida e no mundo, nada do que vejo,
sinto, recebo ou dou tem alguma coisa a ver com aquilo que, à falta de nome
melhor, chamamos de poesia. A poesia existe e não precisa de poema. Qualquer
veículo (até mesmo a carroça de boi) pode transmitir a poesia: a pesca, a
filatelia, o futebol, o pôr do sol da folhinha do armazém.”
E arremata o cronista, de forma definitiva:
“Prefiro o nada, por
isso nunca fiz um verso.”
Confesso que aprecio a liberdade (e a coragem) de
Cony para dizer o que pensa. Haveremos de concordar com ele que há poesia no
ranger de um carro-de-bois, no voo de um colibri, até mesmo num gol-de-placa
numa tarde de domingo. Porém, chamamos isso de poesia por causa do poema. É o
poema que nos oferece a ideia da poesia, e não o contrário, como sugere Cony.
Uma pedra no meio do
caminho sempre foi apenas uma pedra no meio do caminho, não havia poesia nisso,
até que o poeta afirma que “No meio do caminho tinha uma pedra”. Pronto, o
poema transforma a pedra no meio do caminho em poesia!
Gosto de pensar que são
infinitas as manifestações do Belo expressas na Natureza, mas a isso não chamamos
Arte. Apenas o homem produz Arte. Portanto, sem dúvida são infinitas as
manifestações de poesia na Natureza, mas é por causa do poema – uma construção
humana – que as denominamos Poesia.
Entretanto, é preciso
considerar que faço tais afirmações destemidamente, irresponsavelmente,
levianamente, apenas porque sou velho!