Sabedor de meu interesse sobre o tema
paciente terminal, certa vez um colega me procurou pedindo ajuda. Contou-me que
o pai, também médico, havia sido diagnosticado com um câncer em fase avançada,
e toda a família, que incluía mais quatro irmãos médicos (!), encontrava-se em
grande dificuldade para lidar com o problema. Pediu-me que visitasse o pai,
muito angustiado com a situação.
Assim que entrei no quarto do
paciente, um homem em seus 70 anos, ainda forte, ele disparou, Doutor, eu não
quero saber o que eu tenho.
Não me lembro de ter visto negação
mais acintosa. Era evidente que o paciente sabia de sua doença, e apavorado com
a enorme ameaça, continuava repetindo que não queria saber.
Só diz que não quer saber quem já sabe.
Em momento algum passou por minha
mente obrigá-lo a ouvir aquilo que ele não desejava escutar. Mesmo assim,
permaneci em seu quarto, disposto a ouvi-lo. Pude observar sua ansiedade ao
falar, sua agressividade, irritação, a péssima relação com a esposa que
permanecia a seu lado e sempre que podia, fazia-me sinais com a mão, para que
eu nada dissesse. A conversa durou apenas alguns minutos.
À noite, o colega que havia solicitado
minha ajuda ligou-me, pedindo que não voltasse ao quarto do pai, era uma “solicitação
de toda a família”. Imagino que devem ter conversado sobre aquela visita de um
intruso.
Guardei comigo a experiência, de como a “mentira” pode complicar
as coisas e a verdade ser o caminho mais fácil para o entendimento entre as
pessoas, em circunstâncias como esta. Todos sabiam da verdade, que apenas não
podia ser dita. O médico do paciente pode então se constituir num facilitador,
conversando com as pessoas, permitindo que expressem a angústia, medo, pavor
diante do processo de morrer.