quinta-feira, 18 de julho de 2013

A árvore mais velha de Paris

Ao meu irmão Paulo.



Há uma pequena praça, bem perto da Notre Dame, em Paris, onde se pode ver a árvore mais antiga da cidade, uma acácia. O viajante comoveu-se pelo modo com que ela, a árvore, é tratada, como todo ser vivo merece ser tratado. E até hoje ela acolhe outros seres vivos, como a pomba que repousa entre seus ramos centenários.






Fotos: A.Vianna, Paris, 2013.

17. Doutor, não conte ao José


Dentre as várias possibilidades que temos apresentado aqui, na relação do médico com o chamado paciente terminal, há uma que se destaca pela frequência com que ocorre, além do apelo emocional que provoca. O paciente pergunta ao seu médico, Doutor, o que eu tenho. Ao mesmo tempo, a família, que foi informada antes do próprio paciente, pede ao médico, Doutor, não conte nada ao José, nós temos medo que ele faça uma besteira.
Mas nosso paciente, o José, insiste em saber a verdade. E, agora não resta dúvida, é um direito seu.
Mais uma vez, apelamos para a arte da conversa. Parece que, em tais circunstâncias a angústia maior está com a família e é ela que requer a atenção e cuidado do médico. Não é difícil explicar que é um direito do José informar-se a respeito da natureza da doença dele, e que a família não pode impedi-lo. Se a notícia é oferecida de maneira adequada, se a disponibilidade do médico é evidente, se o paciente confia em seu médico, se o apoio familiar estiver presente, o suicídio não é uma atitude frequente nesses casos, o médico deve tranquilizar a família.
A conversa mais uma vez deverá realizar-se na presença do médico, do paciente e de algum familiar que disponha de maior tranquilidade emocional. Quando bem conduzida, o efeito será terapêutico para todos.
Porém, já nos deparamos com situações dramáticas em que todos conhecem a verdade, até os vizinhos..., e o paciente segue desinformado sobre sua doença. Nas palavras de Kübler-Ross, quando o paciente, perto da morte, descobre que lhe mentiram durante todo o tempo, “ele morre na mais profunda solidão”. Compartilho deste ponto de vista. Ninguém é bobo. Não há por quê menosprezar a capacidade das pessoas perceberem que algo errado se passa em seu corpo, quando estão doentes. Nós somos também, e antes de tudo, o nosso corpo.

16. Diário: 18/07/13


Recebi a visita do irmão, de corpo e alma, como quem recebe uma benção, um presente, uma dádiva. Ele despencou de São Paulo, deixou seus afazeres, e por dois dias estivemos juntos. Em muitos momentos, calados ambos, sem qualquer necessidade de verbalizar os sentimentos ali presentes, intensos. Isso acontece com as pessoas a quem amamos muito, este silêncio pleno de significados. Ouvimos música, especialmente duas sonatas para piano de Beethoven, magníficas. Conversamos sobre trivialidades, rimos de algum episódio relembrado da infância, acariciamos os cães, comemos a comida sempre saborosa daqui de casa, bebemos vinho. Quando nos despedimos no aeroporto, veio-me o nó na garganta, e restou a felicidade por tê-lo como irmão durante toda uma vida. Quando ele nasceu, eu já esperava por ele...


15. Doutor, não conte para minha família


Não rara vez, ao ser comunicado a respeito da natureza de sua doença, o paciente pede ao médico, Doutor, não conte para a minha família. O sentimento é compreensível, ele não deseja que os seus sofram com a notícia da doença grave e incurável. Como que num surto de altruísmo, ele deseja guardar apenas para si aquele momento de dor e sofrê-lo solitariamente.
Também com frequência a família pergunta ao médico sobre a origem daquela doença, e tem o direito de ser informada. Está criado o impasse.
Os estudantes de modo geral tendem a “respeitar” o ponto de vista do paciente, calcados na autonomia da pessoa e no direito dela em dispor dos seus desejos. Parece justo.
Porém, o que haverá de acontecer depois da morte do paciente? A família irá reclamar, e poderá fazê-lo judicialmente, que não foi informada da gravidade da situação. Também parece justo.
Penso que a solução do problema passa pela arte de conversar. O médico convida seu paciente a tratar do assunto, explica a ele que não parece adequado que notícia de tamanha importância não possa, e não deva ser compartilhada. Sempre sugeri ao paciente que ele escolhesse um membro da família, alguém com equilíbrio suficiente para tratar do assunto, um filho mais velho, por exemplo, e, juntos, o paciente, o médico e aquele familiar, conversássemos sobre o problema. Proposta desta natureza, em minha experiência pessoal, nunca foi recusada. Ao contrário, após a comunicação, o paciente sente-se aliviado, efeito do próprio compartilhamento.
Desnecessário dizer que esta e outras situações que tenho aventado nesses textos devem ser cuidadosamente registradas no prontuário médico pelo médico responsável. Em determinadas ocasiões é aconselhável mesmo a assinatura de uma testemunha, que poderá ser um colega envolvido no tratamento do paciente.

14. Doutor, eu não quero saber o que eu tenho


           Sabedor de meu interesse sobre o tema paciente terminal, certa vez um colega me procurou pedindo ajuda. Contou-me que o pai, também médico, havia sido diagnosticado com um câncer em fase avançada, e toda a família, que incluía mais quatro irmãos médicos (!), encontrava-se em grande dificuldade para lidar com o problema. Pediu-me que visitasse o pai, muito angustiado com a situação.
            Assim que entrei no quarto do paciente, um homem em seus 70 anos, ainda forte, ele disparou, Doutor, eu não quero saber o que eu tenho.
            Não me lembro de ter visto negação mais acintosa. Era evidente que o paciente sabia de sua doença, e apavorado com a enorme ameaça, continuava repetindo que não queria saber.
Só diz que não quer saber quem já sabe.
            Em momento algum passou por minha mente obrigá-lo a ouvir aquilo que ele não desejava escutar. Mesmo assim, permaneci em seu quarto, disposto a ouvi-lo. Pude observar sua ansiedade ao falar, sua agressividade, irritação, a péssima relação com a esposa que permanecia a seu lado e sempre que podia, fazia-me sinais com a mão, para que eu nada dissesse. A conversa durou apenas alguns minutos.
            À noite, o colega que havia solicitado minha ajuda ligou-me, pedindo que não voltasse ao quarto do pai, era uma “solicitação de toda a família”. Imagino que devem ter conversado sobre aquela visita de um intruso.
Guardei comigo a experiência, de como a “mentira” pode complicar as coisas e a verdade ser o caminho mais fácil para o entendimento entre as pessoas, em circunstâncias como esta. Todos sabiam da verdade, que apenas não podia ser dita. O médico do paciente pode então se constituir num facilitador, conversando com as pessoas, permitindo que expressem a angústia, medo, pavor diante do processo de morrer.