Adianto aos possíveis
leitores que sou fã do Leandro Karnal. Neste último domingo, em sua crônica
para o Estadão, ele escreve sobre a velhice.
Logo de início, a citação de Espinosa merece destaque:
“Sou o meu corpo. Não existem duas instâncias
separadas, mas uma só. Meu corpo não contém o meu ser, ele é o que sou. [...]
Velhice é a consciência do limite da matéria.”
Freud, em seu magnífico trabalho O ego e o Id (1923), vai
mais além e reafirma:
“O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego
corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a
projeção de uma superfície.” [...] “O ego é aquela parte do Id que foi
modificada pela influência direta do mundo externo.”
Nota de rodapé autorizada por Freud é mais explícita:
“Isto é, o ego em última análise deriva das sensações corporais, principalmente
das que se originam da superfície do corpo. Ele pode ser assim encarado como
uma projeção mental da superfície do corpo, além de representar as superfícies
do aparelho mental.”
Voltemos à velhice de Leandro Karnal. Definitivamente ele
não é um velho. Não fala, portanto, com experiência própria. Por isso apoia-se
– além do já citado Espinosa –, em Shakespeare, Rubem Alves, Cícero, Norberto
Bobbio, Ecléa Bosi, Simone de Beauvoir, Sartre, Michael Haneke, Deus, Jó, Don
Juan, Matusalém, Hegel, Minerva, Cora Coralina, Konrad Adenauer, Hitler,
Ulysses Guimarães, Nero, até que termina o rol de personalidades e deseja um
bom domingo a todos nós.
Quando ele for velho não haverá necessidade de tantas e
tão ilustres citações. Bastará dizer que lhe falta a vista pela catarata
insipiente, que antes de abrir os olhos, ainda na cama, tem a certeza de que
está vivo porque lhe doem as costas, o cansaço agora vem fácil com qualquer
esforço físico mais avultado, que os remédios para pressão alta, colesterol,
para manter o sangue fluido e não entupir as coronárias, para baixar o ácido
úrico, todas essas drogas – este o termo adequado – têm seus efeitos
colaterais, que se juntam às doenças de modo que não se diferencia mais a
iatrogenia da enfermidade, ah!, ia me esquecendo da surdez, da insônia e da
perda da memória.
A perda da memória! Que alguns mais cruéis chamam de
caduquice. A citação de Michael Heneke por Karnal deve-se ao filme Amor, que
trata do assunto de forma dura e implacável. Quando o velho assiste o filme,
volta para casa assustado. Então o velho sente na pele a “consciência do limite
da matéria”. E o limite da matéria é a Morte.
Há muita
poesia na crônica de Karnal – ele é um grande orador e escreve como fala –, porém
ele cita a palavra morte uma única vez, e fora do contexto da velhice. Talvez não seja mesmo um bom assunto para
uma manhã de domingo.
Na
segunda-feira, um velho volta ao tema, agora falando da velhice com a
autoridade de quem é velho, e sem evitar a morte. E ele pode assegurar: não há poesia na velhice.